Leitura
da Bíblia é algo que se faz no culto da Igreja Cristã desde o começo. Num dos
mais antigos relatos sobre o culto cristão fora do Novo Testamento, Justino
Mártir (em 155 d. C.) informa que no culto “se leem, enquanto o tempo o
permite, as Memórias dos apóstolos [Evangelhos] ou os escritos dos profetas”. Com
o passar do tempo, é claro, essa leitura “enquanto o tempo permite” foi
reduzida a uma série de leituras bíblicas para cada dia de culto.
Num
tempo em que não havia exemplares da Bíblia em grande quantidade, a única
possibilidade de se ter contato com a mensagem da Bíblia era indo à igreja. Assim,
a Bíblia sempre foi mais ouvida do que lida. Isso só mudou de uns duzentos anos
para cá, graças, em grande parte, ao trabalho das Sociedades Bíblicas. Hoje, a
Bíblia está disponível na maioria das igrejas. Muitos têm o bom hábito de levar
o seu exemplar de casa para o culto.
Com
isso, tornou-se prática comum que as leituras bíblicas sejam, além de ouvidas,
acompanhadas com os olhos. Muitos pastores indicam o número da página na Bíblia,
algo que poderia ser interpretado como confissão de “analfabetismo bíblico” das
pessoas presentes, mas que ajuda a acelerar o processo de busca. Há momentos em
que o oficiante espera um pouco até que todos localizem o texto na Bíblia. Sob
um aspecto, é bom que o texto nos chegue através de dois canais, os ouvidos e os
olhos, mas é possível argumentar que aquele é um momento de proclamação da palavra de Deus em voz
alta, e que, portanto, a gente deveria mesmo ouvir e não acompanhar com os
olhos. Na verdade, há uma diferença entre ler um texto com os olhos e escutar
um texto sendo lido. Se você acha que não, sugiro que faça o teste, ouvindo uma
gravação do texto ou desprendendo os olhos do texto, na hora da leitura no
culto. E, como se lê a Bíblia no culto cristão desde os tempos apostólicos, é
preciso dizer que as leituras bíblicas no culto se justificam por si só. Elas
não são feitas em função da pregação que segue. Assim, nenhuma leitura “serve
de base” para nada; elas são feitas porque ler a Bíblia faz parte do culto cristão.
Mas
coloquei como subtítulo desta reflexão a pergunta: Sim, mas em que Bíblia? Com isso, quero levantar a questão da
tradução bíblica a ser usada no culto. Sei que é um assunto muito
controvertido, que não poderá ser esgotado neste espaço. Mas cabe ao menos o
registro de uma opinião e o anúncio de uma novidade.
Até
recentemente, a única tradução bíblica em uso na IELB era a Almeida Revista e
Atualizada. Ela ficou pronta em setembro de 1956 e, portanto, completa sessenta
anos. A Atualizada é uma revisão do antigo texto de Almeida, que é de trezentos
anos atrás (o Novo Testamento da tradução de Almeida foi publicado em 1681), e
que sobrevive na Almeida Revista e Corrigida. Embora não exista um registro
oficial, sabe-se que desde o lançamento da Almeida Atualizada, no final da
década de 1960, ela está em uso na IELB. Não poderia ser diferente, na medida
em que o Dr. Paul W. Schelp e outros professores do Seminário Concórdia daquele
tempo participaram ativamente dessa revisão.
Depois
disto, em 1973, a Sociedade Bíblica do Brasil (SBB) publicou o Novo Testamento
na Linguagem de Hoje. Em 1988, saiu a Bíblia completa. Aos poucos, esta
tradução bíblica começou a ser usada nos cultos e em publicações da Igreja. E
também começaram as controvérsias. Tanto assim que a Comissão de Teologia da
IELB está preparando um documento para orientar a Igreja a respeito desta
questão. De minha parte, gosto de parafrasear o apóstolo Paulo em 1Coríntios
14.19: “nas reuniões da igreja prefiro
dizer cinco palavras que possam ser entendidas, para assim ensinar os outros,
do que dizer milhares de palavras em línguas estranhas”. Traduzindo (e
aplicando): Entre ler o que só será
entendido por meio de explicação, prefiro ler em voz alta o que todos entendem de
primeira. Assim, por exemplo, se a leitura da epístola não será explicada
na pregação, acho que a melhor opção é fazer a leitura na Nova Tradução na
Linguagem de Hoje, porque a maioria dos ouvintes conseguirá captar boa parte da
mensagem de forma direta, sem necessidade de comentários. Mas não há uma regra
fixa, algo do tipo: só se pode ler esta tradução. Muito depende de onde se está
e quem vai ouvir. O fator determinante não deveria ser apenas a preferência
pessoal do pastor.
Felizmente – assim se espera – esse período
de controvérsia tem os seus dias contados. Isso porque a SBB está preparando
uma nova atualização da Bíblia de Almeida Revista e Atualizada. Será a Nova
Almeida Atualizada. A primeira parte dessa revisão – um Novo Testamento com
Salmos e Provérbios – acaba de ser lançado. Diante disso, teremos à disposição,
a partir de agora, uma tradução bíblica bem simples (a NTLH), um texto clássico
numa linguagem atual e fácil de entender (a Nova Almeida Atualizada), e edições
para o estudo mais aprofundado do texto bíblico (os textos bíblicos nas línguas
originais e em traduções antigas).
Como é esta Nova Almeida Atualizada?
Ela é o texto de Almeida numa
formulação mais fácil de entender. É uma tradução que fica mais presa à forma
dos textos originais da Bíblia, mas que ao mesmo tempo busca um estilo mais
próximo do português culto escrito no Brasil de nossos dias. Nela, as formas de
segunda pessoa (“tu” e “vós”) deram lugar a formas de terceira pessoa (“você” e
“vocês”), com exceção de orações (como os Salmos), nas quais Deus sempre é
invocado como “tu”. A ordem dos termos na frase, que, na Bíblia de Almeida, imitando
o original hebraico e grego, costuma ser verbo antes do sujeito (“respondeu a
mulher” – João 4.25), foi alterada para sujeito antes do verbo (“a mulher
respondeu”), que é a ordem natural em língua portuguesa e não altera o
significado. Formas complicadas, como “louvar-te-ei” (Salmo 9.1), foram
transformadas em construções mais naturais em português brasileiro (“eu te
louvarei”). Palavras arcaicas ou de pouco uso, que só podem ser entendidas por
meio de consulta a um dicionário, foram substituídas por sinônimos mais fáceis,
sem que se mexesse nos termos clássicos da teologia, como, por exemplo,
redenção e propiciação.
Portanto, a Igreja passará a ter mais uma
opção de texto bíblico a ser usado no culto. Como membro da comissão revisora,
entendo que a Nova Almeida Atualizada será o texto bíblico ideal para uso no
culto. É um texto clássico em roupagem moderna. Essa revisão está sendo feita para
que a Bíblia de Almeida seja, nos dias atuais, o que João Ferreira de Almeida já
almejava para os leitores do seu tempo: a maior dádiva e o mais precioso
tesouro.
*Texto publicado no Mensageiro Luterano de setembro de 2016.