À espera do SIM


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03/09/2020 #Artigos #Editora Concórdia

27 de setembro é o Dia Nacional da Doação de Órgãos e Setembro Verde é o mês de conscientização sobre o tema.

À espera do SIM

O tão esperado “sim” pode vir de um pedido de casamento, um teste de gravidez ou uma vaga de emprego. Mas também pode vir de uma família que acaba de perder alguém amado e opta por doar seus órgãos. No Brasil, mais de 40 mil pessoas aguardam em lista de transplantes à espera de uma doação. O momento de maior dor e tristeza de alguém também pode se transformar em um gesto de amor e solidariedade ao próximo.

 

“A paciência nunca foi o meu forte. Mas com a espera do telefone tocar, eu acabei fazendo dela um exercício diário”, conta Rochelle Benites, 43, que há cinco anos espera por um transplante de pulmão. Com o diagnóstico de uma doença rara veio a necessidade de ter o suporte de oxigênio 24h por dia e uma mudança completa na rotina. “É preciso ter fé em Deus. Sadio ou doente, a gente não tem certeza de nada. Vivo um dia de cada vez, sem projetar meu destino em cima de um transplante que está por vir”, explica. Hoje ela coordena a campanha Vida em Jogo (@vidaemjogoo).

 

Para a família Ranft, de Rolante, RS, o assunto veio de maneira drástica. Com o pai internado no hospital há algum tempo, Martinho viu sua vida mudar completamente quando sua esposa sofreu um acidente vascular encefálico (AVE). “Era difícil acreditar que tudo aquilo ocorreu tão rápido. Ela era saudável, tinha uma alimentação adequada, frequentava academia e fazia caminhada. Mas, como todo acidente, não dava pra prever”, relata.

 

Ao fim de uma semana em que Martinho teve que se dividir entre os dois hospitais, cuidar dos filhos e administrar os empreendimentos, a equipe médica chamou a família para a despedida, porque a condição clínica de Tânia evoluía para morte encefálica. “Os médicos foram muito acolhedores e esclareceram a situação. Quando questionaram a respeito da doação de órgãos, lembrei que um dia ela comentou sobre isso, então não tivemos dúvidas em autorizar”, comenta Martinho. Após 40 dias, a equipe entrou em contato novamente para informar que aquele gesto de doação beneficiou cinco pessoas: “As coisas ainda estavam muito confusas e havia muitas perguntas, mas parece que naquele momento caiu a ficha. Percebi que a morte dela, aos 51 anos, não foi em vão”, conta.

 

Kelen Machado é enfermeira da Organização de Procura de Órgãos (OPO) na Santa Casa de Porto Alegre. Segundo ela, que atua na área de doação e transplantes há 15 anos, é importante pensar na ressignificação da morte: “É o momento em que aquela família está perdendo a pessoa mais importante para ela, mas mesmo sendo um momento muito sofrido, ela pode fazer um bem, que é a doação de órgãos do seu familiar”, relata.

 

Não há nada na Bíblia sobre o tema. O pastor Rafael Nerbas explica que alguns pontos podem orientar a decisão: “Para o cristão, a quem Jesus doou sua própria vida na cruz para dar a salvação de forma gratuita e completa, a oportunidade de aliviar o sofrimento e a dor de uma ou mais pessoas é um ato de solidariedade e amor e pode se transformar num belo testemunho de fé”. Segundo o teólogo, o diálogo sobre o tema pode fazer com que o pastor ou outros irmãos na fé sejam um suporte importante na hora de decidir a respeito da doação de órgãos.

 

Mesmo se caracterizando num ato de amor ao próximo, “Não se está pecando e não há motivo para se ter qualquer tipo de remorso se, por algum motivo, preferiu-se não autorizar a doação” lembra o pastor Rafael.

 

A enfermeira Kelen explica: “Para ser doador, a pessoa precisa comunicar essa vontade à sua família, porque somente ela pode autorizar a doação, e não há nada que se possa deixar escrito ou registrado em cartório”. A morte encefálica, que é irreversível, é constatada a partir de protocolos rígidos e seguros, e só então a equipe médica conversa com os familiares mais próximos.

 

Para Kelen, chega a ser cultural não falar em morte, e no máximo expressar o desejo de ter o corpo sepultado ou cremado. Muitas vezes a recusa da doação ocorre porque as pessoas desconhecem o desejo do seu familiar. “A gente sempre diz que este é um assunto que tem que chegar antes do momento do hospital. É para se conversar nos almoços de domingo, nos aniversários. As pessoas precisam falar da importância e do seu desejo, para quando chegar a hora, a família possa tomar a melhor decisão”, comenta a enfermeira.

 

Segundo a Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO), no primeiro semestre de 2020 foram 5.098 notificações de potenciais doadores, mas apenas 1.655 doadores efetivos. Neste mesmo período ingressaram na lista de espera por transplante 12.250 adultos e 634 crianças, e faleceram aguardando por um órgão 1.384 adultos e 33 crianças.

 

A conscientização é fundamental

“Parece que precisamos viver a situação para entender, infelizmente”, comenta Rejane Coelho, que acompanhou de perto a espera do marido Ricardo Alan por um transplante de pulmão. Aos 58 anos, foi diagnosticado com Fibrose Pulmonar Idiopática, sem causa conhecida, ao fazer exames pré-operatórios de uma cirurgia no ombro. A doença provoca cicatrizações e não permite a expansão satisfatória do pulmão. Com o caso agravado, Ricardo entrou em lista de espera. “Naquele período, soubemos que 40% das famílias que tinham um potencial doador recusavam a doação dos órgãos. Precisávamos fazer algo para mudar essa realidade; também para recuperar uma atitude mais ativa e não só passiva esperando o órgão. Precisava ser algo grande!” lembra Rejane. O casal criou “A Vida Convida”, uma campanha de conscientização para a doação de órgãos e tecidos. “Convidamos várias pessoas de visibilidade nacional para fazerem pequenos vídeos de apoio à causa e recebemos grande apoio da classe artística e esportiva”, comemora Rejane.

 

Em agosto de 2019, chegou o grande dia do Ricardo. “Uma família disse SIM. Ele recebeu o telefonema tão aguardado. É uma emoção indescritível. É a esperança de um renascimento, de um recomeço”, lembra Rejane. O transplante foi bem-sucedido, mas, infelizmente, Ricardo faleceu um mês depois em decorrência de uma infecção. Porém a campanha de conscientização vai continuar: “Depois de tudo que vi e vivi não consigo mais abandonar essa causa. Trabalho nela por mim, por Ricardo, pelas famílias doadoras, por quem ainda está em lista e por quem entrará um dia e nem imagina, porque a gente também nunca imaginou passar por isso. Para que outras famílias não precisem passar pela dor da espera”.

 

O pastor Rafael Nerbas lembra que pastores e congregações da IELB deveriam estar atentos a situações em que irmãos na fé estejam na fila de transplantes. “É uma situação que exige muita paciência e muitas vezes pode não ter um final feliz. As orações e o apoio na Palavra e nos sacramentos é fundamental para que a confiança na misericórdia do Senhor durante esses momentos difíceis esteja presente”, explica.

 

Nerbas continua: “A doação de órgãos não deveria oferecer nenhuma insegurança ao cristão quanto à ressurreição, pois a Bíblia é clara em afirmar, como no texto de 1Coríntios 15.53-55, que os corpos ressuscitados serão plenamente restaurados e transformados em corpos incorruptíveis e imortais. Com ou sem órgãos retirados, todos os corpos se deterioram na sepultura. Mesmo assim, Deus promete aos que morreram na fé em Cristo, restaurar-lhes a vida num corpo glorioso e transformado no dia em que Jesus voltar”.

 

Saiba mais sobre doações e transplantes aqui

E no instagram: @vidaemjogoo e @avida_convida

 

Você sabia?

– Podem ser doados coração, fígado, pâncreas, pulmões, rins, córneas, ossos, valva, pele e medula óssea.

– O rim é um órgão que pode ser transplantado entre vivos.

– Um doador pode salvar até oito vidas.

– 27 de setembro é o Dia Nacional da Doação de Órgãos e Setembro Verde é o mês de conscientização sobre o tema.

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Natacha Teske

Jornalista, São José, SC mensageiro@mensageiroluterano.com.br

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