O médico Dráuzio Varella afirmou, numa palestra,
que pessoas que questionam o sentido das coisas dificilmente são religiosas. Citou
como exemplo a centralidade da fé cristã: “Aquele que acredita que Jesus morreu
na cruz, ele acredita e pronto, mas aquele que questiona, vai procurar
evidências racionais sobre essa história bíblica e não vai acreditar nisso”. O
médico não deixa de ter razão, pois, como ele diz, “o cristão acredita e pronto”.
No entanto, ele comete um grande
equívoco quando coloca todas as religiões no mesmo saco. Como cientista que é, deveria
pesquisar mais a fundo a vida do cristianismo para descobrir que ela é a
história de pessoas que fizeram muitas perguntas e encontram respostas
convincentes. A própria teologia cristã é uma ciência fundamentada em exaustivas
pesquisas, com ideias coerentes e conclusivas. A propósito, as grandes universidades
foram fundadas por instituições cristãs, escolas com princípios da fé bíblica
que não deixaram de questionar o sentido das coisas. Tudo leva a crer que,
assim como existe preconceito de crentes para com ateus - e o próprio Varella,
na referida palestra, defende-se dizendo que não é bandido por ser ateu –,
certos ateus consideram os religiosos uns idiotas por acreditarem em coisas que
não tem comprovação científica.
Pensando bem, a ciência sempre vai responder em
cima daquilo em que ela acredita, a matéria, o que não deixa de ser um tipo de
fé. Já a religião busca respostas nas coisas espirituais. Portanto, são
assuntos de mundos diferentes, mas que seguem o mesmo princípio de acreditar em
alguma coisa. Penso que o grande contraste entre a ciência e a fé cristã está
naquilo que ambas tanto procuram: a ciência busca a origem da vida, enquanto a
fé cristã busca o destino da vida. E aí as coisas se complicam para os crentes da
razão e da matéria, a ponto do apóstolo Paulo concluir “Se a nossa esperança em Cristo só vale para esta vida, nós somos as
pessoas mais infelizes deste mundo” (1Coríntios 15.19).
Quem também concorda que a ciência virou religião e assunto
de fé é o filósofo britânico John Gray, que esteve em Porto Alegre no último
mês de julho, palestrando na série de conferências Fronteiras do Pensamento. Disse o que já tinha afirmado no livro Cachorros de Palha (2002), onde critica
a arrogância de certos cientistas e pensadores que se apegam ao conhecimento
lógico e técnico de forma tão obcecada como fazem, segundo ele, os religiosos.
Ele “dá nos dedos” do seu conterrâneo, o conhecido cientista Richard
Dawkings - que também palestrou no mesmo evento da capital gaúcha no mês
anterior. Defensor ferrenho do ateísmo, Dawkings já afirmou que o seu grande
objetivo é acabar com as religiões. No livro Deus - um Delírio, a bíblia do novo ateísmo, ele sustenta que a
religião não merece respeito, e que a educação religiosa de crianças é abuso
infantil. “Se este livro funcionar do modo como
espero, os leitores religiosos que o abrirem serão ateus quando o terminarem”, sustenta o obstinado cientista.
Dawkings já tem vários discípulos. Dias atrás,
em entrevista no programa Jornal do
Almoço, da RBS TV, um professor de Educação, da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, respondeu que “as religiões deveriam se preocupar muito mais em
fazer evoluir as suas crenças, mas o que a gente vê são adultos professando
crenças infantis”. O assunto tratava do projeto de lei para ensinar o
criacionismo nas aulas escolares de ciência. Penso
que o projeto de lei é um equívoco já que a afirmação “Deus é o Criador” está
no âmbito da fé. Por outro lado, isso abre o debate sobre tanta coisa na escola
que deveria ficar na área da ciência, mas virou “religião”, a exemplo da pregação desse
professor, de “fazer evoluir as crenças”, e do deboche que “são adultos
professando crenças infantis”.
Jesus afirmou que “o
mundo não pode receber o Espírito Santo porque não o pode ver nem conhecer”
(João 14.17). Mundo, aqui, é ciência, razão humana, fatos visíveis. Paulo
lembra que “Deus, na sua sabedoria, não
deixou que os seres humanos o conhecessem por meio da sabedoria deles. Pelo
contrário, resolveu salvar aqueles que creem e fez isso por meio da mensagem
que anunciamos, a qual é chamada de louca” (1Coríntios 1.21).
Portanto, nossa tarefa cristã continuará sendo,
até o final dos tempos, o testemunho do Evangelho, sem a preocupação de sermos
advogados de Deus.
*Texto
publicado na edição de agosto de 2015.