Em uma das minhas visitas pastorais, estive na casa de um
jovem enfermo, levando uma mensagem bíblica, uma oração e o sacramento da santa
ceia. Ao me despedir, o jovem me fez uma pergunta muito interessante: “Pastor,
é permitido fazer unção com óleo em nossa igreja?”.
Confesso que achei aquela pergunta um pouco difícil. E surgiu
essa curiosidade em pesquisar o assunto na Bíblia. Afinal,
como filhos de Deus, queremos e devemos conhecer a verdade bíblica, assim “...estando sempre preparados para
responder a todo aquele que pedir razão da esperança que vocês têm” (1Pe 3.15). O assunto do texto,
que aqui apresento, surgiu para responder a essa indagação. (Este texto é a
continuação da primeira parte publicada no Mensageiro
Luterano de novembro de 2020, páginas 24 e 25.)
É permitido fazer unção com óleo em nossa igreja?
A
intenção de Marcos e Tiago não era ordenar uma unção “mágica ou milagrosa”, mas,
sim, a recomendação de uma prática médica ligada à prática da oração. Usavam e
indicavam o que tinham em mãos como remédio naquele momento e naquela cultura. E
oravam com fé para Deus curar o enfermo. Isso nos ensina que, também hoje,
devemos zelar pela saúde espiritual e física de nossos irmãos.
Demonstrar
cuidado mútuo, com gestos de bondade e amor quando fazemos nossas visitas aos
enfermos. Oferecer ajuda no que for necessário e possível, a exemplo do bom
samaritano que aplicou óleo e vinho (remédios) e levou o enfermo para uma
hospedaria, onde exigiu do hospedeiro não somente o trabalho de hospedagem e
talvez refeições, mas também serviços de enfermagem. Hoje, podemos ajudar em
indicar uma consulta médica, se possível auxiliar na busca dos recursos
financeiros para os exames e tratamento médico, sempre unindo ao nosso auxílio
à saúde a prática da oração.
A extrema-unção
Sobre a extrema-unção, Leonardo Damaso descreve
como esse rito foi incorporado à doutrina da igreja católica: “O sacramento da
extrema-unção é mencionado pela primeira vez entre os sete sacramentos da
Igreja no século XII. Foi discutido e decretado no Concílio de Trento (na
pós-reforma) que a santa unção do doente foi um sacramento estabelecido por
Cristo e promulgado aos crentes por Tiago, apóstolo e irmão de nosso Senhor. Os
Católicos buscam o fundamento da extrema unção no texto de Tiago 5. O Concílio
Vaticano II continua tratando a extrema-unção como um dos sete sacramentos, e
que não deve ser ministrado somente aos que estão à beira da morte, mas aos que
estão em perigo de vida, podendo morrer a qualquer hora. Aplicando para nossos
dias, seria assim: se alguém está com câncer, então deve ser ungido com óleo.
Hoje, os católicos ungem os que estão com doenças graves, mesmo que não estejam
em estado final. É a extrema-unção sendo usada para os casos de perigo de
morte”.6
A unção
com óleo na opinião do reformador Martinho Lutero
“Sou de opinião que a unção a quem está em extremo
perigo de morte é a mesma da qual se escreve em Mc 6.13 a respeito dos
apóstolos: ‘E ungiam com óleo a muitos enfermos, e saravam’. Trata-se, pois, de
um certo rito da Igreja primitiva, pelo qual faziam milagres entre os enfermos.
Já desapareceu há muito. Assim também no último capítulo de Marcos, Cristo
concede aos crentes ‘Que peguem em serpentes e ponham as mãos sobre os enfermos’
(Mc 16.18). Mas essa extrema, isto é, inventada unção não é sacramento, mas
conselho de Tiago, que pode ser usado por quem o quiser usar. Foi tomado de
(Marcos 6.13), como disse. É somente para aqueles que sofrem a enfermidade com
maior impaciência e fé rude. Esses foram deixados pelo Senhor para que neles
aparecessem os milagres e o poder da fé. E foi justamente isso que Tiago previu
com cautela e deliberadamente quando não atribui a promessa de saúde e de
remissão dos pecados à unção, mas à oração de fé. Pois diz assim: ‘E a oração da fé salvará o enfermo, e o Senhor o levantará.
E, se houver cometido pecados, estes lhe serão perdoados.’ (Tg 5.15)”.7
A unção com óleo no cenário atual
Hoje
os católicos romanos ainda consideram a unção com óleo como um sacramento.
Afirmamos que isso é um erro, pois não existe em nenhuma parte do evangelho uma
ordem dada por Jesus para sua realização. A Palavra de Deus mostra apenas dois
sacramentos ordenados por Jesus: o batismo e a santa ceia.
Atualmente,
muitas igrejas pentecostais e neopentecostais usam da prática de unção com óleo,
baseando-se em textos do Antigo Testamento, que eram usados na consagração de utensílios do templo, sacerdotes,
reis e
profetas. Eles argumentam que isso permite a prática de ungir com
o “óleo consagrado” pessoas, casas, automóveis e diversos objetos,
como roupas, móveis, eletrodomésticos, instrumentos musicais, dentre outros.
Muitas vezes essa unção está ligada a uma promessa de saúde e prosperidade.
Devemos
lembrar que essas consagrações feitas no Antigo Testamento, como já citamos,
eram restritas ao povo de Israel, faziam parte das leis cerimoniais do Antigo
Testamento. Hoje, no Novo Testamento, não existe nenhuma ordem de Jesus para
tal uso de unção. Infelizmente muitos abusos são cometidos pelas igrejas que
adotam tais práticas, transformando-as em superstição e causando um enorme
prejuízo à fé dos crentes.
Mas, afinal, é permitido fazer unção com óleo em nossa
igreja?
Creio
que a pergunta do jovem luterano foi feita com certa esperança de poder receber
uma unção naquele mesmo momento, caso fosse permitido. Tamanha era a sua
prostração (pois uma hérnia de disco causava dores e formigamento no corpo) e o
medo em relação a uma possível cirurgia.
Minha
resposta, no momento da visita, foi: “O que você mais precisava, você acabou de
receber: a Palavra e o sacramento da santa ceia. Quanto ao ungir com óleo, nós,
pastores luteranos, não fazemos. Não existe nenhum documento da igreja que
permite ou proíba a unção. Creio que essa situação nos leva a uma reflexão
sobre as recomendações da Palavra de Deus. Tenha paciência em suportar com
perseverança os sofrimentos. Saiba que o Senhor Deus se importa com o que
sentimos, seja nas horas de aflição, alegria ou na enfermidade. Eu estou aqui
nesta visita porque acreditamos no poder do Espírito Santo, que age através da
Palavra que ouvimos; no ouvir de Deus à oração que fizemos; e na presença de
Jesus no sacramento da santa ceia, que você recebeu. Tudo isso são respostas
terapêuticas do nosso Deus frente à sua dor. Agora continue orando. Acalme o
seu coração e lembre-se que nada nos separa do amor de Deus que está em Cristo.
Continue orando e confie que Deus está no controle de tudo”.
Outro
pastor talvez tivesse uma resposta diferente da minha. Entendemos que cada caso
tem suas especificidades. Por ser um assunto muito intrigante, cabe uma
reflexão cuidadosa. Creio que a prática da unção com óleo não seria errada,
seria possível usá-la do ponto de vista “simbólico”, mas nunca no ponto de
vista supersticioso, como se fosse aumentar o poder da oração. E nunca para
extrema-unção, como se fosse um sacramento.
Entretanto,
mesmo que não seja proibido, precisamos perguntar se é necessário? Assim, creio
que é melhor não fazer uso da unção com óleo, justamente para não gerar
confusão.
Precisamos
nos envolver em favor dos cuidados da restauração psíquica, física e espiritual
de nossos irmãos e irmãs na fé. Uma visita pastoral ou até mesmo de um leigo ou
serva, feita com amor e baseada nas recomendações da Palavra de Deus (Tg
5.13-20), sem dúvida poderá auxiliar. Se aprendemos a humildemente confessar
nossos pecados a Deus e confiar no seu perdão e na sua graça e orar uns pelos
outros, essa visita será tremendamente poderosa e curadora, porque Deus é cheio
de bondade e misericórdia. Podemos pedir por cura e ser atendidos.
Referências
1.
MILLER, Stephen M; HUBER, Robert V. A Bíblia e sua história: o
surgimento e o impacto da Bíblia. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2006, p.32.
2. Ibidem.
3. BÍBLIA. Português. Bíblia de Estudo da Reforma:
antigo e novo testamento. Almeida Revista e Atualizada. Barueri: Sociedade
Bíblica do Brasil, 2027, p.1707.
4. KUSKE,
David P. Exegetical Brief: James 5:14 – "Anoint
him with oil”.
7. LUTERO, Martinho. Obras Selecionadas, v.2: o programa da
Reforma – escritos de 1520. Tradução de Martin Dreher et al. São Leopoldo: Sinodal, Porto Alegre: Concórdia, 2000,
p.420.
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