“Anjos santos a cantar
em suave e doce tom, do alto fazem ecoar hinos com celeste som. Gloria in excelsis Deo! Gloria in excelsis
Deo!” Assim inicia uma conhecida canção de Natal (Hinário Luterano, 557). Mas não é a única canção ou hino que fala
sobre o canto dos anjos. Dos 34 hinos de Natal que aparecem no início do Hinário Luterano, nove (25%) afirmam que
os anjos cantam. O hino 25, por exemplo, começa assim: “Eis dos anjos a
harmonia! Cantam glória ao Rei
Jesus”.
Agora, a Bíblia chega a dizer que os anjos cantam?
Talvez você responda com outra pergunta: E será que alguém poderia duvidar que
eles cantam? Eles não cantaram na noite de Natal?
Para
responder, temos de olhar o texto bíblico em que se inspiraram os compositores
dos hinos natalinos. O texto é Lucas 2.13. A tradução de Almeida diz que “apareceu com o anjo uma multidão
do exército celestial, louvando a
Deus e dizendo: Glória a Deus nas maiores alturas”. Cantavam? O texto não diz
isso de forma direta. Diz apenas que louvavam. A Nova Tradução na Linguagem de
Hoje entende que sim: “Cantavam hinos
de louvor a Deus, dizendo: Glória a Deus nas maiores alturas do céu!” Fato é
que o texto traz um termo mais vago, louvavam, que pode, mas não precisa,
incluir canto.
Mas louvar não é cantar?
Não necessariamente. Para a maioria das pessoas, num contexto de igreja, louvor
sempre envolve canto ou música. Se alguém diz que “não teve louvor”, significa
que não teve música e/ou canto. Louvar, no entanto, é falar bem, é elogiar. Em
muitos momentos, fazemos isso sem música. Fazer confissão da fé, falando o
Credo, é um ato de louvor. E alguém poderia lembrar que nossas atitudes e nossa
vida louvam a Deus. Portanto, louvor não inclui necessariamente o canto.
Mas não tem um verbo que diz
diretamente, sem rodeios, cantar?
Tem, sim. No grego, tem o verbo psállo
(de onde veio o termo salmo). No Novo Testamento, esse verbo para cantar aparece quatro vezes. Nenhuma
delas envolve anjos. O texto mais conhecido talvez seja Tiago 5.13: “Está
alguém alegre? Cante louvores”. Tem outro verbo para cantar que é hymnéo (de onde nos vem hino). Jesus
cantou um hino com os seus discípulos (Mateus 26.30). Paulo e Silas cantavam na
prisão (Atos 16.25). Mais uma vez, nenhuma referência a anjos.
E não existe mesmo nenhum texto bíblico
que diga que os anjos cantam? Será que não teremos um “sim”, se formos ao livro
do Apocalipse? Lamento dizer que a evidência não é tão clara assim. Em
Apocalipse 5.9 diz que os quatro seres vivos e os vinte e quatro anciãos se
prostram diante do Cordeiro e cantam (a tradução de Almeida diz, “entoam”) um
novo cântico, dizendo: “Digno és de pegar o livro...”. Não se trata de anjos!
Depois, em Apocalipse 14.1-3, quem canta são os 144 mil redimidos, que é uma
maneira de falar da totalidade dos salvos. Também não são anjos! E, em
Apocalipse 15.3, cantam aqueles que venceram a besta, que são as pessoas salvas.
E os anjos? Aparecem como cantores em Apocalipse 5.12, mas apenas segundo o texto
da Nova Tradução na Linguagem de Hoje. Na Almeida diz: “proclamando em grande voz”. No texto grego, temos um simples “dizendo”.
No mais, os anjos aparecem, no Apocalipse, segurando os quatro ventos da terra
(Ap 7.1), tocando trombetas para anunciar juízo (Ap 8.2,13), lutando contra o
dragão (Ap 12.7) e se prostrando e adorando a Deus (Ap 7.11).
Os
anjos são servidores de Deus, que fazem uma série de coisas, como levar
mensagens, proteger (Salmo 91.11), mostrar-se curiosos em relação ao Evangelho
(1Pedro 1.2). E, no céu, eles adoram a Deus. Algumas passagens nos permitem
concluir, embora não com total certeza, que eles cantam. Certeza absoluta só
quando chegarmos lá.
Isto significa que, segundo o Novo
Testamento, quem mais canta são mesmo as pessoas, a Igreja. Assim, o melhor é a
gente continuar a cantar. Daria para dizer que, se nós deixarmos de cantar
louvores a Deus, não temos certeza de que os anjos vão tomar o nosso lugar. Motivos
para cantar, temos de sobra. Mais motivos do que os anjos. Também no Natal. Então,
solte a voz e cante!
*Texto publicado na edição de dezembro de
2014.
Vilson Scholz
Professor de Teologia no Seminário Concórdia
vscholz@uol.com.br
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