A cremação é um processo onde os corpos
são colocados em fornos e incinerados a altíssimas temperaturas, fazendo com
que carnes, ossos e cabelos evaporem. Somente algumas partículas inorgânicas
que compõem o osso resistem a esse calor intenso. São esses resíduos que formam
o pozinho que sobra de lembrança de uma pessoa cremada. No corpo humano não
existe nenhuma célula que suporte um calor superior a 1.000 graus Celsius. Essa
temperatura derrete inclusive as partes metálicas do caixão.
Apesar da aparência de prática moderna, os
gregos já queimavam em fogo aberto corpos de soldados mortos na guerra e
enviavam as cinzas para sua terra natal. Ainda assim, a cremação foi
considerada ilegal em várias épocas, principalmente por motivos religiosos.
Judeus e islâmicos não a permitem. A
Igreja Católica não se opõe à cremação a partir do Concílio Vaticano II. Ouso
dizer que para nós, luteranos, não há um argumento teológico que impeça a
cremação. Há, inclusive, no livro Culto
Luterano – Liturgias - lançado pela Editora Concórdia em 2010 (relançado em
2015, com o acréscimo do livro de orações, com o nome: Culto Luterano – Liturgias e Orações acesse aqui), uma liturgia para cerimônia de cremação, na página 188. Os espíritas pedem
que o cadáver não seja incinerado antes de 72 horas após o óbito – segundo
eles, esse é o tempo necessário para a alma se desvincular do corpo.
Nós, cristãos luteranos, cremos que na
morte ocorre a separação instantânea entre corpo e alma. O texto bíblico que
fundamenta essa visão é Lucas 23.42-43, quando o malfeitor que está crucificado
ao lado direito do Salvador Jesus intercede a ele: “Jesus, lembra-te de mim quando vieres no teu reino. Jesus lhe
respondeu: Em verdade te digo que HOJE estarás comigo no paraíso”. Hoje!Não amanhã ou depois de
amanhã!
No Brasil, antes era necessário deixar
registrado em cartório o desejo de ser cremado. Atualmente, a cremação pode ocorrer quando em vida o falecido houver manifestado
este desejo a seus familiares mais próximos, ou quando ocorrer morte natural e
o falecido não houver manifestado durante a vida discordância quanto ao
procedimento. Para a cremação ser autorizada, é necessário que a declaração de
óbito seja firmada por dois médicos.
A cremação no Brasil e em outros países
Atualmente no Brasil, 8% da população
que vai a óbito é cremada. É um número baixo, comparado com o Japão, que tem
99% dos seus mortos cremados. Na Inglaterra, por volta dos anos 70, já se
registravam cerca de 300 mil cremações anuais, representando quase a metade do
total das mortes ocorridas, e o número de crematórios chegava perto de 190.
Atualmente, cerca de 80% dos mortos são cremados. E, nos Estados Unidos, de
acordo com uma amostragem apresentada pela Associação de Cremação da América,
próximo à segunda metade do século XX, já havia mais de 230 crematórios em
operação, de um extremo a outro do país, observando-se que, apenas no ano de
1970, foram realizadas mais de 88 mil cremações. A cremação é escolha de mais de 40% de todos os americanos
mortos. Se esta porcentagem continuar, em 2017 o número de cremados será maior
que o número de enterrados em todo o país. Assim como no Brasil, na África do
Sul 8% da população opta por este método.
Inicialmente a expansão da ideia de
cremação pelo mundo teve significativas proporções, principalmente na Suécia,
Noruega, Dinamarca, Islândia e Finlândia (países escandinavos) e em vários
países da Europa. Os crematórios são instalados nas áreas mais densamente
povoadas, e têm, cada vez mais, aumentado o número de cremações.
O que diz a Bíblia a respeito?
A Bíblia não vai ter respostas claras
para alguns assuntos da atualidade, dentre eles a cremação. Não vamos encontrar
um texto que a defenda ou que a condene. Ouvi certa vez a argumentação de
alguém contrário à cremação, alegando que corpos não deveriam ser cremados
porque Deus disse a Adão depois da queda em pecado: “tu és pó, e ao pó
tornarás” (Gn 3.19).
Aqui Deus não está determinando o que
deve ser feito com o corpo, e sim, dizendo ao homem qual será a consequência
inevitável para o seu corpo a partir da queda em pecado: ele passará pela
morte. Quando o corpo morre, inevitavelmente entrará em decomposição e será
necessário sepultá-lo, devolvê-lo à terra. A cremação apenas acelera esse
processo inevitável, e de forma alguma impedirá a ressurreição da carne,
conforme confessamos no Credo Apostólico.
Gosto muito do texto 2Coríntios 5.1-2 na
Nova Tradução na Linguagem de Hoje. Já o utilizei em algumas cerimônias de
sepultamento que oficiei. Ali o apóstolo Paulo escreve para o nosso consolo: “De
fato, nós sabemos que, quando for destruída esta barraca em que vivemos, que é
o nosso corpo aqui na terra, Deus nos dará, para morarmos nela, uma casa no
céu. Essa casa não foi feita por mãos humanas; foi Deus quem a fez, e ela
durará para sempre. Por isso gememos enquanto vivemos nesta casa de agora, pois
gostaríamos de nos mudarmos já para a nossa nova casa no céu. Aquela casa será
o nosso corpo celestial”. Interessante
a comparação que Paulo faz, dizendo que o nosso corpo mortal é uma barraca, uma
habitação provisória, enquanto que o corpo imortal será a nossa casa definitiva
no céu.
O apóstolo Paulo também escreve em 1Coríntios
15.51-54: “Eis que vos digo um mistério: nem todos dormiremos, mas
TRANSFORMADOS seremos todos, num momento, num abrir e fechar de olhos, ao
ressoar da última trombeta. A trombeta soará, os mortos ressuscitarão
incorruptíveis, e nós seremos transformados.
Porque é necessário que este corpo corruptível se revista da incorruptibilidade,
e que o corpo mortal se revista da imortalidade. E, quando este corpo
corruptível se revestir de incorruptibilidade, e o que é mortal se revestir de
imortalidade, então, se cumprirá a palavra que está escrita: Tragada foi a
morte pela vitória”.
A Bíblia nos lembra de que o nosso corpo
mortal é provisório, mas ela também mostra o cuidado e o respeito com o corpo
sem vida. Um exemplo disso ocorreu quando Jesus morreu. A intenção das mulheres
naquele domingo de manhã era embalsamar o corpo. Elas presenciaram todo o
sofrimento que Jesus tinha passado e não lhes passava pela cabeça a ideia de
que Jesus poderia ressuscitar (Mc 16.1ss).
Quem sabe algum familiar seu já tenha
lhe confidenciado o desejo de ser sepultado em um determinado cemitério ou,
quem sabe, até o desejo de que o seu corpo seja cremado quando vier a falecer?
Este é um assunto que deve ser acolhido, e a pessoa que toma a iniciativa de
falar sobre isso deve ser respeitada. No Antigo Testamento, temos o pedido de
Jacó a seus filhos:
“Eu me reúno ao meu povo; sepultai-me,
com meus pais, na caverna que está no campo de Efrom, o heteu, na caverna que
está no campo de Macpela, fronteiro a Manre, na terra de Canaã, a qual Abraão
comprou de Efrom com aquele campo, em posse de sepultura” (Gn 49.29-30).
Jacó acreditava na ressurreição do seu
corpo e na Vida Eterna. Ainda assim, instruiu os seus filhos para que os seus
restos mortais fossem levados do Egito até a terra de Canaã. Outra coisa que
chama a atenção na morte de Jacó é que ele foi embalsamado no Egito. Embalsamar
era um costume egípcio, e não era um hábito dos hebreus. Em Gênesis 50.3 lemos
que foram gastos quarenta dias no embalsamamento do corpo de Jacó, e que os
egípcios o choraram por setenta dias. Tudo parece indicar que Jacó foi
mumificado, assim como os faraós eram mumificados no Egito, e assim ocorreu
ainda com o seu filho José quando este veio a falecer (Gn 50.26).
José, semelhantemente ao seu pai Jacó,
também fez um pedido aos seus irmãos antes de morrer. Ele pediu que os seus
ossos fossem levados junto com os israelitas quando estes deixassem o Egito (Gn
50.25), pedido atendido quando, tempos depois, os israelitas, liderados por
Moisés, rumaram em direção à Terra Prometida (Êx 13.19). Se naquele tempo já
existisse a cremação, sem dúvida o transporte dos restos mortais de José seria
mais prático.
Conclusão
Os que
defendem a cremação veem nesse processo algumas vantagens em relação ao
sepultamento tradicional. Dentre elas: preços mais acessíveis em comparação com
jazigos tradicionais (Ainda depende do local. Por enquanto, a cremação só está
disponível em grandes centros, mas os preços estão cada vez mais acessíveis);
necessidade de menor espaço físico para sepultura e menor agressão ao meio
ambiente. Aliás, a legislação ambiental está estabelecendo cada vez mais
restrições à construção de novos cemitérios devido ao risco de contaminação do
lençol freático. Por isso, acredito que no futuro haverá um aumento na oferta e
na procura pela cremação (isso se um dia essa não se tornar a única opção).
Volto a
repetir que não há nenhuma restrição teológica quanto à cremação. Não será esta
a decisão que vai alterar o nosso destino quando Jesus voltar para julgar os
vivos e os mortos. Ainda que as cinzas tenham sido jogadas no mar, ou ao vento,
ou ainda que elas tenham sido espalhadas em diversos lugares.
Deus não precisa de matéria para criar
ou recriar algo. Deus cria do nada. Antes da criação do mundo, “a terra era sem forma e vazia” (Gn 1.2).Também o salmista nos
diz a respeito do Deus Criador: “Pois ele
falou, e tudo se fez; ele ordenou, e tudo passou a existir”(Sl 33.9). Em Ezequiel 37.1-14, está descrita a visão do profeta:
“ossos sequíssimos, onde foram postos tendões e carne, e depois o Espírito
Santo soprou e aqueles corpos tornaram a viver”. “Porei tendões sobre vós,
farei crescer carne sobre vós, sobre vós estenderei pele e porei em vós o
espírito, e vivereis. E sabereis que eu sou o Senhor”(Ez 37.6).
Mais importante do que a forma como
seremos sepultados, é a preparação espiritual para morrermos crendo em Cristo.
A fé em Cristo nos traz a certeza da ressurreição e da Vida Eterna num corpo
totalmente restaurado, perfeito e incorruptível.Como o próprio Jesus afirmou: “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem
crer em mim, ainda que morra viverá” (Jo 11.25).
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