Onde na Bíblia se diz que as crianças podem ou devem ser batizadas?
Este
é o título de um livro que tenho em minha estante, mas que, confesso, nunca
cheguei a terminar de ler. Talvez porque ele faz uma pergunta que não me
incomoda e porque minha resposta natural é dizer: É claro que sim.
Mas
você deve ter notado que a pergunta é se ainda
devemos batizar as crianças. Isto mostra que a pergunta é feita num
contexto em que as crianças são batizadas. Em outros contextos ou em outras
denominações cristãs a pergunta seria: Devemos batizar as crianças? E a
resposta é um sonoro “não”.
Por
isso, talvez alguém pergunte: Mas onde na Bíblia se diz que as crianças podem
ou devem ser batizadas? A verdade é que, no Novo Testamento, temos alguns
textos em que aparecem crianças, sem que se faça referência ao batismo (Jesus
abençoa as crianças, por exemplo), e temos outros textos em que se fala sobre o
batismo, sem que especificamente se inclua as crianças. Só que é possível
responder com outra pergunta: Mas onde diz que elas não podem ou devem ser batizadas? Porque, se é verdade que o Novo
Testamento não diz nada a respeito de um batismo de crianças, também é verdade
que não diz nada sobre o batismo de filhos de cristãos já com mais idade. Em
outras palavras, a Bíblia não manda esperar até certa idade, para só então
aplicar o batismo.
Isto significa que esta questão
não pode ser resolvida simplesmente citando textos bíblicos. A inclusão das
crianças no batismo se justifica por uma reflexão teológica. E antes que alguém
conclua que, neste caso estamos sem base bíblica, é preciso acrescentar que os
que não batizam crianças também se
baseiam numa reflexão teológica, e não num texto claro que diga: Só batizem
depois que a pessoa completar doze anos! O batismo de crianças é um
desenvolvimento teológico legítimo a partir de princípios expressos no Novo
Testamento e a partir da prática do batismo no período do Novo Testamento. Os
princípios são, entre outros, os seguintes: todas
as pessoas são concebidas e nascem em pecado; a graça de Deus se estende a toda a humanidade; Jesus ordenou o batismo;o batismo é ação e dom de Deus, e não é simples
confissão de fé. E a prática do período do Novo Testamento mostra que as
crianças, se não são explicitamente mencionadas, também não são excluídas. O
batismo de casas inteiras (o carcereiro de Filipos em Atos 16.33, por exemplo)
sugere a presença de crianças. Assim, na história da Igreja, o batismo infantil
não foi, nem é, a exceção; é a regra. Por isso, aparece no centro da doutrina do
batismo, e não na periferia. O que se disser sobre o batismo deverá ser
aplicável às crianças também.
A pergunta a fazer é se a igreja
tem o direito de impedir que os pequeninos sejam batizados. Pode-se perguntar: Se
Jesus disse que “dos tais é o reino de Deus”, o que nos autoriza a dizer que
deles não é o batismo?
Alguém poderia perguntar se
crianças podem ter fé. A resposta pode vir na forma de outra pergunta: E
quem disse que um adulto pode ter fé?A rigor, fé não é obra minha, fé não é um exercício mental, fé é dom de
Deus. Em sua explicação do terceiro artigo do Credo, Martinho Lutero começa
assim: “Creio que por minha própria
razão ou força não posso crer em Jesus Cristo, meu Senhor, nem vir a ele”.
Creio que não posso crer! E então Lutero continua: “Mas o Espírito Santo me chamou pelo evangelho, iluminou com seus dons,
santificou e conservou na verdadeira fé”. E neste particular não há
diferença entre adultos e crianças. A diferença entre um adulto e uma criança é
que o adulto está consciente da fé e pode confessá-la por si mesmo.
Volto à pergunta inicial, se ainda
devemos batizar as crianças, para dizer que a pergunta está mal formulada. Começamos
a nos complicar quando adjetivamos o batismo, falando sobre “batismo infantil”. Perguntar se ainda devemos
batizar as crianças é o mesmo que perguntar se ainda devemos batizar. A Bíblia
responde que sim. Batizamos, não por isso ou por aquilo, mas porque Jesus
mandou batizar. E a questão das crianças não tem maior importância no Novo
Testamento e em Lutero. Nós levantamos a questão das crianças, quando, na
verdade, o assunto deveria ser unicamente “batismo”. Lutero não trata do
batismo infantil, no Catecismo Menor.
Ele trata do batismo, por mais que se possa argumentar que ele está prevendo o
batismo de crianças.
Em conclusão, trago uma palavra do
teólogo luterano Hermann Sasse, que diz: “Afora
o fato de que os adultos a serem batizados dão o seu consentimento e confessam
o Credo por si mesmos, o batismo sempre foi administrado na igreja ‘como se’ os
que serão batizados o quisessem por si mesmos e creem no que é confessado no Credo
batismal. Batizamos crianças como se fossem adultos, e batizamos adultos como
se fossem crianças. Qualquer que seja o significado da diferença entre adultos
e crianças para nós e nossa avaliação de uma pessoa, essa diferença não
significa nada para Deus. Diante dele, uma pessoa é uma pessoa, um filho de
Adão ou um filho de Deus, pouco importando a sua idade. Esta é a razão mais
profunda por que todas as liturgias batismais tratam a criança ‘como se’ fosse
um adulto”.
Em tempo acrescento este
comentário: Embora no livro de liturgias da Igreja Luterana apareça uma ordem
intitulada “Batismo de Crianças”, a criança a ser batizada é tratada como se
fosse um adulto. Pede-se que ela confesse a sua fé e dê o seu consentimento ao
batismo, antes do ato batismal, através dos padrinhos.
*Texto publicado na edição de novembro de 2015.
Vilson Scholz
Professor de Teologia no Seminário Concórdia
vscholz@uol.com.br
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