Dados de julho de 2020 mostram que no Brasil há cerca
de cinco mil crianças aptas a serem adotadas. Enquanto isso, há cerca de 36 mil
pretendentes. Destes pretendentes, a maioria dos casais querem crianças menores
de quatro anos e que não tenham deficiências físicas. E de agosto de 2019 até
janeiro deste ano, 73 adoções foram canceladas no país. O número parece
pequeno, mas isso representa a rejeição de 73 crianças que foram adotadas e
devolvidas.
Eram 16h do dia de 4 de outubro de 2011. Eu estava ministrando aula de
ensino religioso na Entidade Dorcas, em Toledo, PR, onde fiz meu estágio do
curso de teologia. Minha amada esposa Priscila estava dando aula de artes para
um aluno de inclusão numa outra sala. Nós tínhamos planos e sonhos, pois quatro
meses antes havíamos entrado na lista para adoção. Em nossa casa já havia um
quarto com cama e armário esperando nossa futura filha. E naquela tarde da
primavera de outubro, a psicóloga nos chamou para conversar.
Enquanto conversávamos no escritório, uma doce menina que estava na casa
lar, preparava sua mochila com material escolar, poucas roupas e um brinquedo
que poderia levar como lembrança daquele local. Aquela menina já tinha a
notícia de que agora sairia daquela casa e que seria adotada, mas ainda não
sabia quem era o casal. Enquanto isso, eu e minha esposa estávamos conversando
com a psicóloga achando que era mais uma entrevista como tantas outras que
tivemos em momentos anteriores. De repente a psicóloga nos disse: Vocês
aguardam aqui nesta sala que eu vou trazer a filha de vocês. Naquela tarde, uma
criança e um casal receberam a informação de que uma família iria aumentar, a
nossa! Uma grande emoção tomou conta do nosso coração. E assim nos encontramos
com a nossa filha Rafaela. Nossa filha do coração!
É muito bom poder relembrar este momento e compartilhá-lo. Faz crescer
um sentimento de pai e mãe, e relembrar dos primeiros momentos da adoção. Mas é
importante também falar dos passos e da burocracia para se chegar lá! Muitas
pessoas gostariam de adotar, mas tem dúvidas sobre o processo de adoção. Quando
eu e minha esposa entramos na fila de adoção, tivemos de responder um
questionário e recebemos muitas visitas da assistente social e de psicólogos do
Conselho Tutelar de Toledo. O questionário ajuda no processo de adoção para
adequar o perfil da criança ao da família. Há casais que têm o desejo de adotar,
mas não podem! E, sim, há muitas crianças que podem ser amadas num novo lar,
numa nova família. Mas por que isso não acontece?
Por que muitas famílias
querem adotar e não podem?
Conforme mencionamos no início deste depoimento, de
agosto de 2019 até janeiro deste ano, 73 adoções foram canceladas no país. Repetimos,
o número parece pequeno, mas isso representa a rejeição de 73 crianças que
foram adotadas e devolvidas. Em algumas situações de devolução, os motivos
relatados são: não têm habito de higiene, descuidado com objetos pessoais,
desinteresse pelas tarefas escolares, dificuldade para aceitar regras, habito
de mentir para conseguir objetivos e evitar punições.
Por isso adoção exige maturidade e responsabilidade, sem romancear
muito! Adoção não pode ser “fica aqui em casa um tempo” e depois a gente vê o
que faz. E acredite em mim, se você quer adotar, muitas coisas vão tentar tirar
esse desejo de você. Familiares e amigos, por exemplo. Minha esposa sempre diz
que há três formas de se ter filhos: parto normal, cesárea e adoção. O
questionário e as visitas são uma forma de tentar adequar para que seja
percebido o desejo de aumentar família. Adotar não é fazer caridade, não é
preencher um vazio no lar e não é opção para quem não pode ter filhos, estes
sentimentos até podem surgir no início do processo de adoção e precisam ser
avaliados para não prejudicar a criança, pois adotar é aumentar a família e
isso requer preparo! Mas quem de nós está preparado para aumentar a família?
A verdade é que não estamos preparados para aumentar a família. É preciso
ajuda de pastores e psicólogos na criação dos filhos, e não é vergonha nenhuma
admitir que somos falhos e que precisamos de ajuda. Assim somos nós, pecadores
que dependem de Deus. E Deus nos deu a sua Palavra como orientação e também coloca
pessoas na nossa vida para nos ajudar na tarefa de educar os filhos.
Talvez você questione se eu e minha mulher estávamos preparados para a
adoção. Posso dizer que éramos o casal ideal, que foram também as palavras da
psicóloga e da assistente social, mas não, não estávamos preparados para a
adoção. Assim como também não estávamos preparados para o casamento, para o
segundo filho e para tantos outros desafios que enfrentamos na vida. No entanto,
não estar preparado não é motivo para desistir, não é mesmo? É motivo para
correr atrás e dar o melhor que se pode com o melhor que se tem. Éramos o casal
ideal para adoção, mas ter uma filha adotiva requer atenção e cuidado diário
assim como em todos os desafios da vida. O casamento requer cuidado, o trabalho
requer cuidado, etc. Com o passar do tempo, aprendemos a fortalecer a nossa
família com a Palavra de Deus para os desafios.
Mas vocês não podiam ter
o filho de vocês?
Exatamente! Nós podíamos e temos! A Rafaela é nossa filha! No início, eu
brincava nas palestras para casais perguntando: Eu tenho 29 anos (isso em
2012), fazem 7 anos que sou casado, e temos uma filha de 12 anos. O que vocês
acham que aconteceu? Havia um silêncio enorme na igreja, pois ninguém conseguia
decifrar a brincadeira. Mas a resposta é que a Rafaela aconteceu! Ela veio para
a nossa família com 11 anos de idade. Pudemos vê-la crescer forte, lutando
pelos seus ideais e aprendendo com seus erros. Aos 17 conquistou sua independência
e aos 18, casou. Hoje a Rafaela tem 19 anos é casada com Fábio e tem uma filha
chamada Ester. A Rafa nos deu dois presentes: um genro e uma neta!
Eu e minha esposa temos dois filhos, a Rafaela e o Murilo. A Rafaela
nasceu no nosso coração em 2011 e em 2012 minha mulher engravidou do Murilo que
também nasceu em nosso coração. São filhos queridos que entregamos a Deus no batismo.
Ensinamos nossos filhos o caminho de Jesus e sempre oramos pedindo a bênção de
Deus em suas vidas e que os guarde para a vida eterna, pois todos somos filhos
do coração.
A adoção não é tema exclusivo da sociedade, pois também é tema cultivado
na igreja cristã por se tratar do amor de Deus por nós, pecadores. Em Gálatas
4.4-5, o apóstolo Paulo escreve assim: “Vindo, porém, a plenitude do tempo,
Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, para resgatar os
que estavam sob a lei, a fim de que recebêssemos a adoção de filhos”.
Deus enviou o seu próprio Filho, Jesus Cristo, para com a sua morte e ressurreição
nos dar o perdão dos nossos pecados “a fim de que recebêssemos a adoção de
filhos”. No assunto da adoção, sempre é dito que os filhos adotivos são filhos
do coração. Que alegria saber que somos filhos do coração de Deus. Deus nos
amou mesmo não sendo seus filhos. Em Cristo somos todos adotados! Filhos do
coração.
O amor de Deus por seus filhos é vivo e ativo em suas vidas. Um amor que
não leva em conta os pecados, mas que ama e que perdoa. Mesmo com o pecado, os
filhos de Deus buscam amar e são amados.
No Brasil, o caminho para adoção é ir ao Fórum de sua cidade e preencher
o cadastro. Na igreja, o caminho para adoção é ouvir a Palavra de Deus e
receber o seu santo sacramento para o perdão dos pecados e a adoção de filhos.
O cadastro na igreja não é o rol de membros, muito menos as obras do pecador.
Na igreja, o cadastro é preenchido por Jesus, que atende todos os requisitos em
nosso lugar. E assim, sem esperar na fila, a graça de Deus alcança o pecador, e
Deus o adota por filho(a) no ato em que ele concede o perdão. Filhos por amor.
Filhos do coração.
Franco Thomassen
Pastor da Congregação São
João
Erechim, RS