Deus fala
de muitas maneiras, dirigiu-se a Jó numa tempestade, Moisés o percebeu numa
coluna de fogo, Adão o encontrou num passeio pelo jardim, Davi o exaltou como condutor
de ovelhas. Navegamos num mar de vozes em conflito, pessoas sujeitas a
aparelhos eletrônicos, alheios ao que acontece, competem com máquinas, o
confronto é solitário, mecânico, frio. A linguagem pastoril do salmo 23 conduz
da fadiga urbana a sítios de descanso, pradarias, espaço em que horizontes se
distanciam, lugar para meditar, presença do guia a quem podemos recorrer para
não perder o norte, o Senhor é pastor do universo, Senhor da humanidade, Senhor
de mim; em campos verdejantes sinto-me mais próximo de Deus.
Meu
lugar é no rebanho, o universo guiado por Deus. No movimento das estrelas, ando
eu, os de minha geração, os das gerações que me precederam, os das gerações que
virão. Minha vida vem do Deus vivo, o Deus que me chamou à existência, que me
guia. O Deus infinito move-se do mínimo ao máximo; se o mínimo estivesse fora
dos seus cuidados, dos seus limites, ele não seria infinito, não seria o
criador de tudo, não seria a vida de todos os que respiram, o Deus infinito
ampara o finito, ativa um grão de mostarda, menos que um grão de mostarda, eu.
O que me falta? Restrito
é meu raio de ação, estou muito longe de concluir o que empreendi, cansam-me
projetos não realizados, falta-me competência; estou longe do que eu gostaria
de ser. Cometo erros, distancia-se a meta que eu gostaria de alcançar. O que me falta? Se eu soubesse... Estou
confuso, não me falta nada e me falta tudo. O que me falta está fora das minhas
possibilidades de falar, o que possuo, ameaçado pela morte, esvai-se em nada. Palavras
desarticuladas sobem aos céus, Deus interpreta minhas indecisões, meu silêncio.
De repente vem a paz, Deus me conduz a águas tranquilas, Deus me tranquiliza.
Nada me falta ou nada me faltará? O
tempo verbal hebraico é fluido como os córregos, nele presente e futuro confluem.
Não posso prender o tempo; quando digo “agora”, o agora já passou, passou e não
passou, momentos significativos perduram na memória, navego do que foi ao que
será. Projetos levam-me ao tempo que ainda não é, o tempo que vive em mim se
faz presente, experimento águas que fluem, águas em que me banho, águas que
refrescam, que trazem alegria.
Uno-me
a vozes que soam em torno de mim e no universo, aproximo-me de Deus no canto,
exponho-lhe minhas dúvidas, minhas dores. Na sonoridade do canto, Deus se
aproxima de mim e me ouve, a compreensão me vem dele, amparado pelo Deus vivo
sinto-me vivo, ao Deus vivo falo de experiências vividas.
Movo-me
na sombra da morte, a morte comparece na minha vida cotidiana. Luto contra a
morte, contra a doença, contra a falta de recursos. Faço isso por seis dias,
Deus me deu o sétimo dia para descansar. Morte e “campos verdes”, entre esses
dois extremos passo os dias, caio e me levanto. Qual seria o sentido dos dias de trabalho sem o sétimo para descansar?
Verdes campos: lugar para sonhar, amar, contemplar, enviar gemidos ao espaço
azul. Em campos verdes, horizontes se abrem ao infinito; infinitas são as
reservas que me alimentam, alimenta-me o canto, em espaços sem limites
propaga-se a voz.
Através
de Cristo (Deus e homem), o limitado toca o ilimitado, dele me vem força,
orientação, meus atos ganham sentido. Sem adiar dias tranquilos, o Eterno me
convida a andar no Caminho; a caminho, encontro outros caminhantes; solidário,
amparo e recebo auxílio dos que podem mais do que eu, minha atividade se
desdobra em dar e receber. Sendo Deus o guia, infinitas são as possibilidades. Favorecido
por Deus, participo do banquete, conforta-me a proximidade. A mim, a quem faltava
tudo, não falta nada, não falta e não faltará. A situação dos adversários não é
definitiva, não quero que seja. Adversários são os que andam desgarrados, atribulados
movem-se em outros caminhos, ouço a voz daquele que chama; em lugar de
banalidades, o calor da aproximação. A casa do Senhor é minha casa, é a nossa,
as portas se abrem para congregar.