Introdução
O SETEMBRO AMARELO
iniciou nos Estados Unidos da América, em 1994, quando Mike Emme cometeu
suicídio. Mike, de 17 anos, era um jovem carinhoso e cheio de energia. Era um
habilidoso mecânico e havia restaurado um Mustang 1968, pintando o carro de
amarelo.
Lamentavelmente, ninguém
havia percebido sinais das intenções de Mike em abortar sua própria vida.
Assim, no seu funeral, “os amigos montaram uma cesta de cartões e fitas
amarelas com a mensagem: ‘Se precisar, peça ajuda’. A ação ganhou grandes
proporções e expandiu-se pelo país. Diversos jovens passaram a utilizar cartões
amarelos para pedir ajuda a pessoas próximas. A fita amarela foi escolhida como
símbolo do programa que incentiva aqueles que têm pensamentos suicidas a buscar
ajuda. Em 2003, a Organização Mundial da Saúde (OMS) instituiu o dia 10 de
setembro para ser o Dia Mundial da Prevenção do Suicídio. O amarelo do Mustang
de Mike é a cor escolhida para representar essa campanha”.
A campanha, no Brasil,
foi criada em 2015, fruto dos esforços conjuntos do Centro de Valorização da
Vida (CVV), do Conselho Federal de Medicina (CFM) e da Associação Brasileira de
Psiquiatria (ABP). O Instituto Vita Alere, aliado na prevenção do suicídio, disponibiliza
em seu site
várias informações e material relevante sobre a questão do suicídio.
A razão de cada vez
mais publicações veicularem informações sobre o tema do suicídio na internet,
está em um dado assustador. Segundo o Infográfico
Posvenção Luto e Suicídio, a partir de diversas fontes de pesquisa,
incluindo a Organização Mundial da Saúde (OMS), em média, anualmente, 800 mil
pessoas cometem suicídio no mundo. Destas, 13 mil no Brasil.
Segue, na esteira dessa
tragédia, o fato de que cada uma dessas mortes impacta na vida de outras 135
pessoas que conviviam com a pessoa que atentou contra sua própria vida. Com
isso, chegamos a um total de 108 milhões de pessoas impactadas, por ano, no
mundo, pela triste realidade do suicídio. No Brasil, esse universo é de
1.755.000 pessoas.
O luto por suicidas
apresenta características próprias, diz o Infográfico:
julgamento, estigma, intensidade, impacto, risco de suicídio, busca incessante
do porquê.
Sinais de alerta
As fitas amarelas
distribuídas pelos amigos de Mike com a mensagem: “Se precisar, peça ajuda!”, mostram
como é importante prestarmos atenção às pessoas que estão à nossa volta. Uma
verdade que, para os cristãos, está inserida no mandamento de Jesus: ama o teu
próximo como a ti mesmo (Mt 22.39).
Estar alerta para os
sinais silenciosos emitidos pela pessoa que está planejando tirar a própria
vida pode significar a
diferença entre a vida e a morte dela. Independentemente da idade, todas as
pessoas estão na condição de “teu próximo”, ensinado por Jesus. Convém lembrar
que entre os jovens de 15 a 29 anos, segundo a OMS, o suicídio é a segunda
maior causa de mortes.
A cartilha Prevenção do Suicídio na Internet lista
alguns exemplos de sinais verbais indicativos de um possível suicídio. Fique
alerta se você ouvir alguém dizer: “Em breve isso tudo vai mudar”; “Logo
ninguém mais vai precisar se preocupar comigo”; “Eu não sirvo para nada”; “Logo
sentirão saudades de mim”; “Eu estou cansado, não quero mais continuar”; ou, “Não
sei mais quem sou”. Não devemos diminuir
a importância do que essa pessoa está querendo externar. São pedidos de
socorro!
Toma proporções mais
severas quando alguém: (a) expressar verbalmente o desejo de morrer; (b) consumir
em excesso bebidas alcoólicas ou drogas; (c) tiver atitudes frequentes de raiva
e vingança; e, (d) apresentar alterações extremas em seu humor. As pessoas que
estão próximas são importantes e têm condições de fazer toda a diferença quando
sinais de alertas são percebidos, algo que aprendemos em Marcos 9.50; 1Pedro
1.22; 4.8; Hebreus 10.24; Romanos 12.10; Gálatas 5.13; Efésios 4.2.
Dados
O tema do suicídio no
país onde está a sede da Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB), é abordado
no site G1 por Patrícia Figueiredo (10/09/2019). Segundo a OMS, as taxas de
suicídio foram 7% maiores no Brasil em 2016, último ano da pesquisa, do que em
2010. A mesma OMS faz um alerta sobre a situação no Brasil, onde a taxa de
suicídios a cada 100 mil habitantes aumentou 7%, ao contrário do índice
mundial, que caiu 9,8%. Os dados comparam as mortes autoprovocadas registradas
pela organização em 2010 e em 2016 em diversos países do mundo.
Segundo o Ministério
da Saúde, a assistência é fator de proteção na prevenção do suicídio. Para o
povo de Deus isso também é motivo de atenção, porque nos coloca ao lado do
próximo para orarmos, junto com ele: “Pai nosso... não nos deixes cair em
tentação”, sejam essas tentações quais forem. A assistência de um para com o
outro, dentro das nossas comunidades, também deve ser vista como fator de
proteção na prevenção de suicídios.
Publicações
A proteção na
prevenção do suicídio, objetivo principal do SETEMBRO AMARELO, também fica
claro no crescimento do número de publicações envolvendo o tema do suicídio. A
Folha de São Paulo, em julho deste ano, traz um dado positivo e revelador, levantado
pela plataforma digital ComunicaQueMuda (CQM). Bia Pereira, diretora da CQM afirma
que a temática do suicídio e da tristeza “começou a aumentar nas postagens dos
internautas. Em 2017, o assunto ainda era tabu, mesmo com quase 800 mil vítimas
por ano, um suicídio a cada 40 segundos no mundo, e outras 20 tentativas para
cada caso”. Os dados também mostram que as notícias sobre o suicídio aumentaram
de 7,5% para 42%.
Outro dado importante
sobre as publicações a respeito do suicídio na internet, é que o número de
piadas sobre o suicídio despencou consideravelmente de 34% para 3%. Para quem é
brasileiro, isso diz muito, pois no Brasil temos a impressão de que tudo é
motivo para um gracejo. A constatação sobre diminuição no número de piadas,
prefigura a tomada de consciência do brasileiro sobre a seriedade do tema, bem
como o respeito ao crescente número de enlutados impactados pelas mortes por suicídio.
O suicida não é covarde, nem herói
Mas e como ficam as
pessoas impactadas por alguém que atentou contra sua própria vida? Essas que
são o objeto de atenção do aconselhamento e acolhimento cristão. No site “Vamos
falar sobre o luto?”, a jornalista Cynthia de Almeida entrevista a
psicóloga Luciana Rocha. A matéria é bastante elucidativa sobre o tema do
suicídio. Luciana defende a ideia de que o suicida não é covarde, nem herói.
Essa informação é importante para tirar um peso que a cultura lança sobre o
tema. Luciana Rocha se propôs a estudar com dedicação o suicídio depois que seu
marido saltou para morte. Três anos antes da entrevista, enquanto Luciana e os
dois filhos pequenos do casal dormiam, o marido se jogou do 15º andar. Hoje,
como especialista no assunto, a psicóloga mostra que, à luz da ciência, é
preciso compreender que muitas pessoas, assim como o seu marido, são “vítimas
de um ou mais transtornos mentais subestimados por eles mesmos e invisíveis aos
olhos de quem os cercam”.
“Quando a pessoa
decide se matar, ela simplesmente não vê outra solução”, diz Luciana, para quem
nossa sociedade vive a psicofobia, que é o preconceito contra a doença mental. No
final da entrevista, uma pergunta é feita à Luciana: O que você gostaria de
dizer para um enlutado que perdeu alguém por suicídio? A resposta da ex-esposa
e psicóloga: “Primeiro, duas coisas têm
que ficar claras: o suicídio é consequência de uma ou mais doenças mentais. O
suicida não é um covarde e se matar não é um ato de heroísmo. É muito
importante entender que a pessoa não se matou. A doença o matou. Em segundo
lugar, não devemos culpar o suicida por sua decisão. Ele agiu com as
informações de que dispunha naquele momento. Ele não pede ajuda e disfarça
muito bem sua condição. Fez o que podia”. Isso ajuda a igreja entender a profundidade psíquica do problema e, a
partir disso, trazer o conforto da Palavra de Deus.
A psicologia
Para Karen Scavacini,
psicóloga e cofundadora do Instituto Vita Alere de Prevenção do Suicídio, em algum momento da vida
as pessoas pensam em suicídio; para a maioria, uma ideia que vem e que passa.
Mas ela diz: “quando a pessoa começa a pensar muito em morrer, não consegue
afastar esses pensamentos e vê o suicídio como uma saída viável, aí é o momento
de pedir ajuda”. O suicídio, segundo a psicóloga, é resultado de “um sofrimento
insuportável que a pessoa acha que não vai acabar nunca. É preciso mostrar que
é possível transformar essa esperança na morte em esperança de que a pessoa
pode ser tratada, pode buscar outros caminhos, entender as coisas e reagir a
elas”.
O olhar
e a atenção ao próximo são importantes aliados na tarefa do cuidado espiritual
em nossas congregações. Sob a liderança do pastor, todos estarão comprometidos,
como família de Deus, na eficácia da rede de apoio, cujo resultado evitará mais
suicídios e promoverá o perdão e a reconciliação pelo evangelho.
O aconselhamento pastoral na igreja luterana
Na Bíblia, o aconselhamento pastoral e a igreja buscam
respostas para as situações cotidianas e conflituosas da existência humana. Lá
aprendemos, como premissa inicial, que Deus não compactua com a decisão de
atentar contra a própria vida, visto que a vida, desde a criação, é um dom, um
presente que recebemos do próprio Deus (Gn 1. 27). Tirar a própria vida não é
ato de coragem pessoal, e tal decisão não pode, a princípio, ser promovida,
como alguns movimentos sugerem.
No entanto, o aconselhamento cristão também sabe que, no
caso do suicídio, tudo o que fazemos pelas pessoas em luto pelo suicídio é
sempre uma intervenção após um ato cometido sem possibilidades de reparo. Por
isso moralismos, legalismos, preconceitos, ódios e julgamentos não são, jamais,
úteis e necessários, visto serem frutos da maldade do pecado. A atitude
recomendada pela Bíblia é sempre pró,
em hipótese alguma contra pessoas. A
pessoa que abreviou sua própria vida já o fez em e por sofrimento,
assim como a dor já está presente nos que foram impactados pelo suicídio. A lei
da morte já foi anunciada na própria vida. É necessário dizer que “o salário do
pecado é a morte...” (Rm 6.23), sem esquecer, imediatamente, que a continuação
do versículo anuncia a boa nova, o evangelho do perdão de Deus para acolher
todos os que sofrem: “... mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna, por Cristo
Jesus, nosso Senhor”.
O Dr. Althaus, em A
teologia de Martinho Lutero, lembra que para Lutero “o maior bem que uma
comunidade possui é que nela se encontra o perdão dos pecados... A comunidade
inteira e cada um de seus membros têm recebido autoridade para proclamar e
levar isso para casa” (p.333). Sentir-se perdoado por Deus é imensamente
confortador para qualquer ser humano. Isto também é verdade no caso onde há
possibilidade de um suicídio vir a ser cometido.
A questão do suicídio apresenta uma complexidade tal que
os livros e manuais de teologia pastoral aconselham prudência e amor fraternal
ao tratar do assunto. Isso é extremamente relevante devido ao sofrimento
causado nas pessoas próximas ao suicida. Igualmente, essa mesma recomendação é
importante para lidar com a pessoa que tentou o suicídio sem êxito. Nesses
casos, é apropriado lembrar da 25ª tese de Walter, em A correta distinção entre Lei e Evangelho, que “a Palavra de Deus
não é aplicada corretamente quando aquele que ensina a Palavra não permite que
o Evangelho tenha predomínio geral neste seu ensino”.
No site oficial da Igreja Luterana Sínodo de Missouri –
igreja-irmã da IELB, essa prudência pastoral aparece de modo claro já no site
oficial daquela igreja. Na seção de fácil acesso, Perguntas mais frequentes, três pontos sobre
o assunto são apontados: a) a posição da igreja sobre o suicídio; b) a
possibilidade de realizar o funeral de um suicida; e, c) sobre a situação da
pessoa após o ato suicida. Assim como a LC-MS, também a IELB, em 1992, tratou
de pontuar a questão ao produzir um documento abordando e oferecendo uma
resposta perspectivada na Bíblia a tais questões. O leitor pode encontrar
facilmente tal documento junto ao site oficial e perceber o cuidado na
prática do aconselhamento nessa situação difícil.
Salta à vista que não há um posicionamento oficial do
sínodo em relação à condição pós-morte do suicida. Isso se deve ao fato de que sua
situação somente é conhecida por Deus. Por isso demonstra sabedoria pastoral
tratar o assunto com prudência e fundamentação bíblica. No livro Qual a resposta?, publicado em 1960,
lemos: “Com certeza, não pretendemos
julgar alguém que recorre à autodestruição. É impossível mergulhar nas
profundezas das trevas em que até mesmo os cristãos podem afundar e
irresponsavelmente colocar as mãos profanas sobre si mesmos. Talvez o Senhor
não os considere responsáveis, mas não sabemos”. Algo igualmente externado pelo
próprio Lutero e registrado em uma de suas Conversas
à mesa, no ano de 1532: “Eu não tenho a opinião de que os suicidas certamente
sejam condenados. Minha razão é que eles não desejam se matar, mas são vencidos
pelo poder do diabo”. Ele, no entanto, alerta para que tal declaração não seja
mal interpretada e, com isso, o perigo e a seriedade desse pecado na mente das
pessoas seja minimizado.
Dicas para agirmos
Algumas dicas de perguntas, apontadas por especialistas. Estas
são: Como você está? Como posso ajudar? Eu sinto muito. Tem algo que eu possa
fazer por você? A partir dessas dicas de perguntas, podemos nos aproximar do
coração da pessoa e protagonizar uma ajuda eficaz e acolhedora, que,
necessariamente, será orientada pela Palavra de Deus. A partir da Bíblia,
sabemos que um outro encontro não pode ser, em hipótese alguma, esquecido: a
pessoa desesperada em sua vida a ponto de a querer abreviá-la, o próprio Deus a
leva a um encontro com Cristo, que nos salva do desespero do pecado, da morte e
do poder do diabo.
Promover esse encontro com o amor de Deus faz parte do
protagonismo de todos os cristãos. Algo que conhecemos como sendo o sacerdócio
universal de todos os crentes. Todo o povo de Deus é responsável em amar o
próximo como a si mesmo, pois Deus nos amou e salvou a todos por meio do
Salvador Jesus Cristo.
Como dicas para agirmos no exercício de servir a Deus e ao
próximo, os pastores desempenham importante papel de liderança espiritual
destes processos. São os mesmos que encontramos em Atos 2.42. Através do ensino
dedicado na Palavra de Deus, toda “a comunhão dos santos” – conforme o Credo
Apostólico – é movida pela fé para o exercício do amor e da dedicação aos que
estão próximos vivendo em desespero e desalento de vida.
A tarefa da pregação do evangelho ao desesperançado, ao
potencial suicida e às pessoas impactadas, sejam elas familiares ou amigos, não
é tarefa unicamente dos pastores. Precisamos lembrar que todos os cristãos “são
geração eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de
Deus, a fim de proclamar as virtudes daquele que os chamou das trevas para a
sua maravilhosa luz” (1Pe 2.9). O desespero do suicida é motivado pela força da
lei sem a doce visão do evangelho.
O SETEMBRO AMARELO nos
convida, como povo de Deus, como igreja cristã, como IELB, a não nos sentirmos
confortáveis com os casos crescentes de suicídio. Devemos nos unir para que o
evangelho do perdão em Cristo seja anunciado a muitos que vivem à sombra da
morte, desesperados e desesperançados, para que não tirem sua vida, antes se
sintam confortados com a Palavra de Deus e a comunhão dos irmãos. Uma verdade
que também se aplica aos familiares de pessoas que atentaram contra a sua
própria vida, pois Jesus nos ensinou a amar as pessoas que vemos, aquelas que
estão próximas de nós.
Rev. Clóvis V. Gedrat
Capelão Hospitalar e professor de Teologia na ULBRA