Um culto dentro do culto: confissão e absolvição


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27/08/2020 #Reflexão #Editora Concórdia

O perdão dos pecados é uma das marcas que identificam a Igreja Cristã. Na Igreja Luterana, o pastor ousa dizer, no culto: “Eu perdoo os seus pecados!”. Com que base bíblica?

Um culto dentro do culto: confissão e absolvição

O perdão dos pecados é uma das marcas que identificam a Igreja Cristã. Na verdade, poucas igrejas, hoje, ousam fazer isso. Na Igreja Luterana, o pastor ousa dizer, no culto: “Eu perdoo os seus pecados!”. Com que base bíblica?

 

Lutero, na obra “Dos Concílios e das Igrejas” (1539), faz uma lista de sete marcas que identificam a Igreja de Cristo: a Palavra de Deus, o Batismo, a Santa Ceia, o Ofício das Chaves, o Ministério Pastoral, a oração e a cruz (no sentido de sofrimento).

Quero dar destaque à quarta marca: o Ofício das Chaves, especialmente em sua relação com o culto. Que Ofício das Chaves é esse? Trata-se do “poder peculiar que Cristo deu à sua igreja na terra de perdoar os pecados aos pecadores penitentes e reter os pecados aos impenitentes, enquanto não se arrependerem” (Catecismo Menor). Os textos bíblicos que tratam disso são Mateus 16.19, Mateus 18.18 e João 20.23.

Na Ordem do Culto Principal I (Hinário Luterano), o ato de confissão e absolvição é chamado de “Preparação”. Por quê? Porque é, de certa forma, um ato anterior ao culto em si. No tempo de Lutero, o culto começava com o Introito. O ato de confissão e absolvição tinha um uso mais individual ou particular do que público. As pessoas iam “se confessar” ao pastor. Depois, o ato de confissão e absolvição passou a ser um momento devocional realizado no sábado, para os membros da igreja que queriam participar da Santa Ceia no domingo. Em seguida, esse momento acabou sendo transferido para o domingo de manhã, antes do culto. Por fim, acabou incorporado ao culto como tal.

Seja como parte do culto ou como ato preparatório, a confissão e absolvição é um momento marcante. Não tanto pela confissão em si, mas pela absolvição, que é o ponto alto. Podemos e precisamos ouvi-la, não como uma palavra qualquer, mas, como Lutero lembra no Catecismo, “que se receba a absolvição ou remissão do confessor como de Deus mesmo, sem duvidar de modo algum, mas crendo firmemente que por ela os pecados são perdoados perante Deus no céu” (Livro de Concórdia, p. 377).

O perdão dos pecados é uma das marcas que identificam a Igreja Cristã. Na verdade, poucas igrejas hoje ousam fazer isto. O normal é dizer “Existe perdão”, “Deus pode perdoar” ou algo assim. Na Igreja Luterana, o pastor ousa dizer no culto: “Eu perdoo os seus pecados!”. Com que base bíblica? Além dos textos bíblicos citados acima, cabe verificar Mateus 9.8. Naquele contexto, Jesus, o Filho de Deus, perdoou pecados, o que deixou os líderes religiosos indignados, porque entendiam que só Deus podia fazer isso. Mas o evangelista registra, ao final, que as multidões deram glória a Deus, “que tinha dado tal autoridade aos homens”. Que autoridade? A autoridade de perdoar pecados. Dada a quem? Aos seres humanos.

Perdoados dos pecados, no início do culto, poderíamos, a rigor, ir embora. Afinal, que mais nos falta, depois que recebemos o perdão? Mas ficamos no culto ou para o culto. Por quê? Porque Deus é rico em sua misericórdia e preparou-nos um “banquete com vários pratos”. Ele ainda nos traz a sua Palavra, na liturgia, nas leituras, nos hinos, na pregação e, de forma visível, na Santa Ceia. E, é claro, desfrutamos da comunhão dos irmãos na fé e respondemos ao amor de Deus com louvor, ofertas e oração.

Cabem, ainda, uma ou duas reflexões sobre a prática litúrgica da confissão e absolvição. Em tempos modernos, na tentativa de elaborar ordens litúrgicas mais “criativas”, procuram-se formas alternativas para expressar a confissão de pecados. Somos, por vezes, convidados a dizer: “Senhor, erramos aqui e ali” ou “Nem sempre cumprimos a tua vontade”. Mas nada supera a confissão que diz tudo e confessa a realidade do pecado original: “Eu, pobre e miserável pecador, te confesso todos os meus pecados e iniquidades com que provoquei a tua ira”. Quanto à absolvição, um dos “problemas” é o fato de ser totalmente previsível. Sabemos que o pastor vai nos absolver. Tanto mais precisamos levar a sério a confissão de pecados e preparar-nos para ela. Seria bom que, de tempos em tempos, fosse antecedida por uma alocução confessional, como a própria Liturgia prevê.

 

*Texto publicado no Mensageiro Luterano em agosto de 2014.

Vilson Scholz

Professor de Teologia no Seminário Concórdia vscholz@uol.com.br

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