Uma
das definições mais simples de comunicação remete à etimologia da palavra,
entendendo-a como a ação de tornar algo comum. Alguém já disse, relacionando
essa palavra a outra que bem conhecemos, que o alvo do comunicar é “comungar
sentidos”. De fato, nós buscamos, o tempo todo, mostrar aos outros como são relevantes
os nossos pensamentos, sentimentos, aspirações ou até aversões. A comunicação é
sempre uma tentativa de conquista e de persuasão, mesmo quando não o percebemos.
Ela atende à necessidade que temos de estar com os outros e de percebermos que
estão realmente conosco, desenvolvendo afetos e mantendo relações.
Mas
toda tentativa de comunicação ou conexão entre nós encontra dificuldades, também
chamadas “ruídos comunicacionais”. Os ruídos podem ser externos, como interferências
que se colocam entre nós e aqueles com quem falamos, ou ruídos internos, que fazem
parte do caráter de quem emite e quem recebe a mensagem. Como somos falhos e pecadores,
também nos mostramos incapazes de comunicar harmonicamente como Deus gostaria e
de interpretar corretamente o que vemos e ouvimos.
Hoje
em dia, é comum dizerem que vivemos na “era da comunicação” ou em uma sociedade
midiatizada. Mas é bom lembrar que, desde que aprendeu a criar ferramentas, o
ser humano desenvolveu a capacidade de depositar sua memória e seu aprendizado
nas coisas. Vendo dessa forma abrangente, quase tudo que produzimos é uma
“mídia”. Com o passar do tempo, nossas
memórias passaram a ser também inscritas, com desenhos e depois com letras, em
pedra, couro, papiro, papel. Milênios mais tarde, houve outro salto, com a invenção
da imprensa, que tanto beneficiou o disseminar das Escrituras, importante também
para a Reforma da igreja. Passamos a acelerar cada vez mais a disseminação de
ideias, e surgiram os jornais, revistas e outros periódicos, sempre
acompanhados do alimentar de sonhos e desejos que é próprio da publicidade.
Recentemente,
do ponto de vista histórico, é que chegaram os meios eletrônicos, com grandes
empresas de mídia se formando e passando a lutar por tempo e espaço em nossas
vidas e consciências. E finalmente, nos últimos anos, esse processo tem se
tornado ainda mais complexo, com o surgimento de plataformas de redes sociais
digitais, que também funcionam como um grande mercado de conquista e persuasão.
A comunicação é
complexa, variada e interativa
Ao
longo de todas essas transformações, o jeito como comunicamos foi se
modificando. Primeiro, tínhamos culturas mais centradas nas imagens. Depois,
vieram os tempos mais literários. Agora, vivenciamos uma dinâmica fusão entre
formatos, em um fluxo hipertextual e multimidiático. As relações entre quem emite
e quem ouve ou recebe também foram se tornando mais complexas e variadas. É
verdade que, do ponto de vista da comunicação, os receptores das mensagens nunca
foram estáticos ou passivos. Porém hoje eles são ainda mais reativos,
participantes e interagentes em relação a tudo o que se tenta transmitir.
No
tempo das chamadas mídias sociais, também não há mais um falante para muitos
ouvintes, mas múltiplos falantes, que se transformam em coprodutores de
informação. Tudo é produzido para circular, e vai sendo apropriado e modificado
à medida em que circula, com consequências boas e ruins para a convivência, a criatividade
e as reputações.
Por
vezes, o fato de haver tanta gente comunicando e produzindo mensagens, nos dá a
sensação de que há poucos realmente dispostos a escutar. O Salvador Jesus já
dizia: “Quem tem ouvidos para ouvir, ouça” (Mt 13.9). E o apóstolo Paulo
lembrava: “Como ouvirão, se não há quem anuncie?” (Rm 10.14). Talvez, hoje, seja
necessário acrescentar: “Como ouvirão, se estão ocupados demais em falar?”.
Desafio da igreja num
mundo múltiplo e questionador
Todos
esses são desafios que se apresentam a nós, cristãos, individualmente e como igreja.
Vivemos em um mundo de múltiplas e variadas palavras e fontes, em que sempre se
questiona a legitimidade de quem comunica, sejam pessoas, empresas ou
instituições. Afinal, algumas fontes de informação se mostraram pouco
fidedignas, ao mesmo tempo em que outras, que se apresentam como libertadoras, disseminam
conteúdos e formatos que funcionam como iscas para pescar nossos desejos e nossa
atenção, enquanto desinformam e confundem.
No
meio disso tudo, a igreja é chamada a proclamar e a buscar novas formas de
interação, adentrando ambiências às quais não estava habituada e se apropriando
de lógicas e linguagens que não são as suas. Cristãos individuais já estavam
imersos nas redes, tendo suas vidas midiatizadas e se moldando através de novos
modos de dizer, de fazer, de parecer e aparecer – até mudando seu jeito de ser.
Mas as igrejas, particularmente as denominações chamadas históricas, tiveram
que realizar um salto enorme e imediato, em curva quase tão ascendente quanto à
de uma pandemia. Estávamos em um tímido e lento aprendizado, com belas, mas nem
sempre constantes, inserções no rádio e na televisão, e rapidamente fomos lançados
para a realidade mutante e difusa das plataformas de redes sociais digitais.
O que fazer e como se
portar nesse novo mundo?
De
forma inadequada, nós chamávamos esse novo ambiente de “virtual”. Mas hoje
vemos quão reais são seus impactos sobre a vida de pessoas, instituições e até
nações. É preciso ter cautela, pois muitos estudiosos alertam que não apenas
fazemos uso das tecnologias e redes, mas elas moldam nosso modo de raciocinar, de
nos organizar e de dizer. Têm o potencial de mudar, em última análise, nosso
modo de ser.
Por
outro lado, não é possível refletir sobre todo o processo antes de agir, pois a
fugacidade com que as oportunidades vêm e vão e a velocidade em que as
realidades se transformam exige que aprendamos enquanto estamos ocupados em
produzir. Com alegria, temos visto como a boa vontade em aprender, por parte de
pastores e líderes, nos proporciona grandes oportunidades, tanto para a
manutenção da pregação da Palavra em tempos de crise, como para o agir
missionário, chegando a pessoas que não imaginávamos atingir.
Nesse
aprendizado constante, há uma série de questões às quais devemos estar atentos.
Primeiramente, a lembrança de que forma e conteúdo não estão dissociados, não
podem ser vistos como instâncias separadas. Quando nos adequamos a formatos
diferentes, que são definidos e incentivados pelas plataformas nas quais
comunicamos (Facebook, Youtube, Instagram etc.), também modificamos nossa
linguagem, nosso modo de produzir e os aspectos aos quais damos mais atenção, e
isso tem impacto para o que chamamos de liturgia.
Isso,
é claro, frequentemente ocorre de forma positiva, trazendo benefícios até para
as interações presenciais, que se tornam mais significativas e contextualizadas.
Mas é algo que sempre precisa ser refletido, ponderado e replanejado,
considerando que o alvo de nossa comunicação é apontar para a salvação em
Cristo e não nos destacarmos pessoalmente ou como grupo. Somos frequentemente
seduzidos por “desejos tolos de receber elogios” (Fp 2.3) ou promessas
aparentemente compensadoras de visibilidade.
Outro
desafio, que cristãos e pastores já enfrentam individualmente, são as formas de
expressão que a lógica binária das redes e seus algoritmos parecem incentivar.
Passamos a dar atenção ao que polemiza e divide. Pintamos o mundo em duas
cores, não importando quantas nuances ou tons intermediários existam. Separamos
as pessoas em dois grupos, não nos dando conta de quantas variações possa haver.
Não compreendemos que as pessoas podem concordar ou discordar em parte e que
podem mudar suas posições à medida em que se informam. Corremos o risco de,
para marcar posições, construir muros entre nós mesmos e em relação àqueles que
queremos evangelizar.
Podemos
cair, ainda, na tentação de criar nossas próprias “bolhas”, aceitando como
verdade não o que é real, mas aquilo que parece mais interessante ou que se
encaixa no nosso próprio modo de pensar e serve às ideologias, para as quais
fomos conquistados e não queremos admitir. Temos, naturalmente, dificuldade de
nos equilibrar entre verdades e vontades. E tudo isso tem muito a ver com o
orgulho.
Há
também a dificuldade para conciliar velocidade e profundidade. Quanto mais
rápido queremos navegar pelo fluxo de informações e novidades, mais na
superfície ficamos – é como a diferença entre o barco a remo e a lancha que
quase flutua. Muitas vezes, nos arrependemos daquilo que concluímos de forma
precipitada e que, quando menos percebemos, já enviamos, postamos, apoiamos ou
compartilhamos.
Como
encontrar, diante de tantos desafios e oportunidades, o equilíbrio que favoreça
a comunicação de nossa mensagem, que continua tão relevante para o mundo?
É essencial lembrar do
Senhor da comunicação
Essencial
é lembrar quem é o Senhor de toda a comunicação. Temos um Deus que se comunica
desde o princípio. Primeiramente, um Deus que se relaciona consigo mesmo em uma
trinitária comunicação, que está além da nossa capacidade de recepção e
compreensão. Um Deus que criou todas as coisas comunicando, por sua Palavra (Gn
1). Alguém que não se calou quando caímos, mas anunciou e efetuou um plano de salvação.
Em Cristo, a Palavra encarnada e palpável (Jo 1), Deus nos comunicou seu amor e
refez uma conexão que parecia impossível de restaurar. Nas Escrituras, o
Espírito Santo, também é descrito em termos da comunicação: Ele é o
“consolador”, o “mensageiro de Deus”, aquele que continua a comunicar até o fim
dos tempos.
É
importante sermos humildes quanto à nossa incapacidade de comunicar de forma
plena, de forma que possamos olhar para o único que comunica de verdade. Lembrarmos
como, em Deus, nossas falhas são perdoadas e cobertas, e como, de Jesus,
podemos aprender a empatia e o caráter de um verdadeiro comunicador. Também
podemos pedir que ele continue a agir, em nós e apesar de nós, implorando por
sabedoria e coragem na medida certa. Podemos buscar subsídios em sua Palavra,
para que ele nos dê o mesmo caráter de João Batista, proclamando e vivendo a
mensagem em nossas interações, como voz que clama no deserto: “Convém que ele
cresça e eu diminua” (Jo 3.30).
No
compartilhar das Escrituras e na comunicação concreta dos sacramentos, também podemos
continuar a buscar o necessário para não nos agredirmos e afastarmos, para que
sejamos um, assim como o Filho e o Pai são um. Sem dúvida, continuaremos
aprendendo sempre, conforme novas oportunidades forem surgindo, sejam
plataformas de rede, dispositivos ou tecnologias - não para nós, mas para aquele
no qual “vivemos, nos movemos e existimos” (At 17.28). E podemos ter a certeza
de que seremos sempre auxiliados, em nossas muitas falhas de comunicação e
fraquezas, pelo Espírito que clama por nós, até mesmo com gemidos inexprimíveis
(Rm 8.26).
Herivelton Regiani
Pastor, Mestre em
comunicação
Natal, RN
heriveltonreg@gmail.com