Quando Jesus
estava expondo a parábola da figueira e advertindo sobre a necessidade de
estarmos vigilantes para a sua segunda vinda, afirmou: “Passará o céu e a
terra, porém as minhas palavras não passarão” (Mt 24.35). Portanto, a profecia
de Jesus é que sua palavra ficará imutável. O mundo haverá de passar, pois será
destruído; mas a Palavra de Jesus ficará a mesma, para sempre.
Nós
vivemos esta profecia de Jesus. Somos salvos confiando nas mesmas palavras e
promessas dele. Mas o mundo, quanta mudança! Não conseguimos nem imaginar a
realidade do mundo no tempo de Jesus em contraste com o progresso, as
facilidades e as invenções que modificaram a vida da humanidade até os tempos
de hoje.
A Palavra imutável nos cultos
Nós
temos muito a agradecer a Deus, pois continuamos a ouvir a sua Palavra imutável
em nossos cultos, mesmo que o mundo tenha sofrido constantes mutações. Talvez
possamos ser confrontados com perguntas como: Vocês não vão rever a Bíblia e atualizar seus significados? O mundo já mudou tanto, como é que vocês não
veem que é necessário adaptar a mensagem bíblica para o mundo de hoje?
A
palavra imutável num mundo mutável teve suas lutas desde o início da Igreja Cristã.
Logo surgiram falsos mestres que queriam mudar a Palavra de Deus ou o seu
sentido. Por isso surgiram os Credos: o Apostólico, o Niceno e o Atanasiano. Eles
surgiram na igreja para dar resposta a doutrinas errôneas e para firmar os
cristãos na doutrina pura da Palavra de Deus. Por isso, no final do Credo Atanasiano,
confessamos: “Esta é a verdadeira fé cristã. Aquele que não crer com firmeza e
fidelidade, não poderá ser salvo”. Quando nós, hoje, dizemos estes Credos,
estamos nos unindo à Igreja de todos os tempos confessando que cremos na Palavra
imutável num mundo mutável.
Algo
semelhante aos Credos aconteceu com a liturgia da Igreja. O que hoje chamamos de liturgia histórica
é a herança de culto e de fé da igreja que, reunida em torno da Palavra e dos
Sacramentos do Batismo e da Santa Ceia, passou a ter uma Ordem de Culto que
distinguiu a Igreja Cristã de outras práticas não cristãs. Por isso, a liturgia
histórica serve de testemunho concreto da palavra imutável num mundo mutável.
Além
da liturgia histórica, a Igreja produziu também um enorme repertório de cantos
congregacionais, os hinos. E esta produção continua em nossos dias. Quando
cantamos um hino produzido nos dias de hoje, expressamos aquilo que alguns
salmos apontam: “Cantai ao Senhor um
cântico novo, porque ele tem feito maravilhas” (Sl 98.1). Quando cantamos
um hino produzido no passado, unimo-nos à Igreja de todos os tempos e
expressamos que temos a mesma fé que toda a Igreja tem, no mesmo Salvador para
os povos, de todas as nações e para todas as épocas.
Ainda
podemos inserir neste contexto histórico, no qual a Palavra está envolvida, as
vestes litúrgicas e os templos onde nos reunimos. As vestes litúrgicas (basicamente
a alba e a estola) do pastor são elementos visíveis de costumes antigos que nos
mostram a Palavra imutável num mundo em mutação. Combinam com as vestes do
pastor as “vestes” (paramentos) do altar, púlpito e ambão (púlpito para as
leituras bíblicas). As cores da estola que o pastor veste estão nos paramentos.
Também os templos (igrejas) que construímos têm características antigas que
expressam a Palavra imutável num mundo em mutação. No interior dos templos,
diante da congregação, há um altar, símbolo da presença de Deus que nos dá a
Palavra imutável num mundo mutável. As cores, as vestes do pastor, o altar e
mesmo o templo são elementos visíveis para o culto e nos “ensinam pelos olhos”,
pois ao vermos estes elementos, somos lembrados de suas finalidades.
Nosso desafio: Palavra imutável x
mundo mutável
Quando
Lutero foi solicitado a elaborar a Missa
Alemã, deixou escrito no início do prefácio: “Antes de mais nada, quero ter solicitado de forma muito amável, também
pelo amor de Deus, a todos aqueles que chegarem a ver esta nossa ordem do
culto, ou desejam segui-la que, de modo algum, façam dela uma lei compulsória,
nem comprometam ou prendam a consciência de ninguém, mas façam uso da liberdade
cristã segundo o seu agrado, como, onde, quando e por quanto tempo as
circunstâncias o reclamem e exijam”. Precisamos notar que Lutero fez
revisões da missa histórica tanto em sua Missa
Latina quanto em sua Missa Alemã.
Lutero não fez mudanças radicais e nem mesmo obrigou alguém a seguir suas
revisões nas ordens de culto.
Seguindo a prudência que Lutero nos mostra,
temos que nos perguntar antes de fazer mudanças no culto:
·
Que queremos
dizer quando não usamos os Credos históricos?
·
Que queremos
dizer quando não usamos a liturgia histórica?
·
Que
queremos dizer quando não usamos os hinos históricos ou quando deixamos de lado
o Hinário Luterano?
·
Que
queremos mostrar quando não usamos as vestimentas litúrgicas?
Se
deixarmos toda a tradição de lado, será que ainda estamos vivenciando e
ensinando a continuidade da mesma fé através dos tempos? Não estamos, com isso,
mostrando que o mais importante é nossa habilidade em fazer sempre coisas novas
e que o passado não interessa, pois temos que viver o presente?
Seguindo
também a prudência que Lutero nos mostra, temos que nos perguntar antes de não
querer admitir mudanças no culto:
·
Por que os
Salmos nos instigam a cantar a Deus “um cântico novo”? (Sl 33.3, 96.1, 98.1)
·
Por que
não queremos aproveitar os dons musicais e poéticos de nossos tempos, que
também são dons que Deus concede à sua Igreja, assim como concedeu no passado?
·
Por que
queremos transformar em lei uma ordem de culto que é apenas meio de conduzir o
povo a ouvir a Palavra e a responder com louvores?
Prudência na atitude para com o
culto
Uma
atitude luterana para com o culto é sempre de prudência. Radicalizações
provocam reações e insatisfações. Se quisermos sempre mudanças, ignorando
nossas heranças, estaremos em busca constante de novidades e não nos firmaremos
em nada. Por outro lado, se não admitimos mudanças, corremos o risco de seguir
uma ordem de culto simplesmente por segui-la, sem refletir sobre seu conteúdo.
Aliás, precisamos estar conscientes de que a liturgia histórica já sofreu
inúmeras revisões e adaptações locais para que seja executável pelo povo
daquela localidade ou país. As traduções da Bíblia sofrem constantes revisões
para que a sua mensagem retrate o que realmente foi escrito originalmente.
Criatividade
faz parte do culto a Deus. Mesmo no uso da liturgia histórica, novos hinos, banners,
coros bem preparados, música bem executada, teatro e artes em geral podem e
devem ser utilizados. O que se denomina atualmente de culto contemporâneo
também tem espaço para criatividade, pois é necessário que tudo seja tão bem
estruturado que o conteúdo da Palavra de Deus, trazido para o mundo de hoje, esteja
em concordância com aquilo que Deus nos quer transmitir e não com aquilo que
nós gostaríamos de dizer ou fazer.
Seja com a liturgia histórica ou uma ordem de culto
contemporâneo, precisamos utilizar nossos dons e nossa criatividade para que o
culto não seja algo que fazemos como uma obrigação, mas algo no qual Deus tem a
nos dizer uma mensagem de esperança, de fé e de salvação.
Uma palavra aos músicos das nossas igrejas.
Estes têm uma tarefa importante para o culto. Deles depende a condução do canto
congregacional, do canto coral ou de um solo. Se usarem seus dons com
humildade, dedicação e como servos da Palavra, a congregação, o pastor, a
diretoria e os próprios músicos terão um ambiente de paz e de alegria, além do
privilégio de louvar a Deus com uma só fé e a mesma esperança.
Deus
nos conceda sua graça para recebermos sua Palavra e Sacramentos para o perdão
de nossos pecados e o privilégio de louvá-lo com cânticos, orações e ofertas. O
mundo está em constante mutação, mas a Palavra imutável de Deus é a única, em
todos os tempos, que pode nos dar perdão, vida e salvação.