Compreender um
hino dentro do seu contexto histórico, poderá ser fonte de consolo. O hino 418
do Hinário Luterano é um exemplo destes que, nestes tempos de pandemia
que estamos vivendo, pode servir de orientação.
O autor deste
hino é Georg Neumark. E o cenário onde o hino surgiu é a devastada Europa no pós-guerra
da Guerra dos Trinta Anos de 1618 a 1648. Esta foi uma das mais intolerantes e
cruéis guerras da história. Ela teve várias origens, principalmente por questões
religiosas entre católicos e protestantes. As consequências foram catastróficas.
A miséria tomou conta. Não há dados precisos sobre a mortandade, porém, estima-se
que mais de 8 milhões tenham sido mortos em toda a Europa. O país mais atingido
foi a Alemanha. Durante estes anos os exércitos viviam daquilo que saqueavam
dos campos e dos que eram vencidos, inclusive dos próprios aliados. Os agricultores,
como não tinham mais animais para lavrar a terra, puxavam eles mesmos seus
arados. Os que sobreviviam à guerra acabavam sendo atingidos pelas epidemias,
que também matavam muita gente. Muitas vilas e
pequenas cidades foram totalmente destruídas. A Alemanha levou
duzentos anos para se recompor.
Neste cenário
nasceu Georg Neumark, no dia 16 de março de 1621, em Langensalza, na Thuringia. Na sua juventude, ele tinha o desejo
de ingressar numa universidade, mas a única que havia sobrevivido aos horrores
da guerra era a de Königsberg. As outras sofreram grandes estragos. Neumark
viajou para lá junto com mercadores, mas no caminho foram atacados por ladrões
que lhes roubaram tudo que tinham, restando-lhe apenas um livro de orações e um
pequeno valor em dinheiro costurado na sua roupa. A guerra gerou tamanha fome
que os assaltos passaram a ser frequentes. A situação de vida, que para Neumark
já era difícil, com este assalto ficou mais difícil. Iniciar os estudos nessa situação e no
ambiente da guerra era quase impossível.
Conseguir um trabalho para se manter era mais difícil ainda, pois
ninguém tinha condições para dar emprego. Neumark precisou andar por várias
cidades em viagens cansativas e sem sucesso, até que finalmente encontrou um
trabalho como professor particular, que lhe deu um ganho suficiente para
ingressar na universidade. Este trabalho lhe trouxe muita alegria. Foi neste
ambiente de alegria que ele escreveu o hino “Quem tudo entrega ao Deus amado”, Hinário
Luterano, 418.
Tendo
vivido os horrores da guerra e agora feliz pelo emprego conquistado e por uma
vaga recebida na universidade, o autor, através deste hino, ensina que Deus é
bondoso e fiel, mesmo quando as adversidades da vida parecem ser o contrário. E
diante da experiência de vida que teve, ele nos encoraja a uma fé sincera e a
crer que Deus é soberano. Que ele tem propósitos para nós, que nem sempre são
fáceis de compreender. Por isso o autor deste hino nos incentiva a colocar
nossos dilemas sob a infinita sabedoria e misericórdia de Deus. E os fatos que
marcaram negativamente a nossa vida, não significam o abandono de Deus. O final
da primeira estrofe. em tradução literal diz: Quem confia em Deus, o
Altíssimo, não constrói sobre a areia. O final da sexta estrofe, em
tradução literal diz: Quem colocar sua
confiança em Deus, nunca será abandonado por ele.
Tenho a
impressão de que durante muito tempo enfatizou-se o “eu”: eu posso, eu sou, eu
tenho, eu quero. Este “eu” quer diminuir a Deus e colocar o próximo de lado. Nestes
tempos de pandemia, Deus tem lições importantes a nos ensinar. Uma delas talvez
seja a de que o nosso “eu” não está acima de tudo. A história deste hino e do
seu autor ensina a colocar em Deus a nossa confiança acima de tudo e em tudo
esperar por ele.
Os tempos de
pandemia, catástrofes e calamidades nos deixam inquietos, é verdade. Porém, no
final da segunda estrofe, o autor lembra que, em situações como essas, “Tristezas
só aumentarão a nossa cruz, nossa aflição”.
Quando as
adversidades da vida baterem à nossa porta, que as palavras deste hino nos
sirvam de orientação e consolo. Amém.
David Karnopp
Pastor em
Vacaria, RS
Membro da
Comissão Culto da IELB
Bibliografia
Karnopp, David. Música
e Igreja: aspectos relevantes da música sacra na história do povo de Deus.
Passo Fundo: Pe. Bertier ; 1999
https://www.luteranos.com.br/textos/georg-neumark-1621-1681.
Acessado em: 23 mar/2020
https://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_dos_Trinta_Anos.
Acessado em: 13 abr/2020
QUEM TUDO ENTREGA AO DEUS AMADO (HL 418)
1. Quem tudo entrega
ao Deus amado e nele espera com fervor, será por ele sustentado na cruz, nas
horas de pavor. Quem no sublime Deus confiar, não há de em vão edificar.¹
2. De que nos valem
os cuidados? De que nos vale aqui gemer? De que nos vale, exasperados, nosso
infortúnio maldizer? Tristezas só aumentarão a nossa cruz, nossa aflição.
3. Em Deus vivemos
resignados, com alegria e mansidão; deixamos tudo aos seus cuidados, à sua
graça e compaixão. Deus, nosso eterno Redentor, conhece nossa angústia e dor.²
4. Conhece as horas
de alegria e sabe quando nos convêm. Se temos fé, se à hipocrisia fugimos
sempre com desdém, inesperado, Deus virá e fartas bênçãos nos dará.
5. Não penses,
quando estás aflito, que Deus aqui te abandonou; nem julgues que é de Deus
bendito quem sempre aqui feliz andou. O além traz grande alteração, e Deus será
teu galardão.
6. Louvor e prece
multiplica, trilha os caminhos do Senhor, e sê fiel, e bênção rica aguarda para
o teu labor. Jamais Deus há de abandonar a quem só nele confiar.
Wer nur den lieben Gott läßt walten Letra: Georg Neumark, 1657; trad.
Martinho Luthero Hasse, c. 1949 Música: Georg Neumark, 1657; arr. Service Book
and Hymnal, 1958 ¹(Sl 25.15-18) ²(Sl 33.20-22)