A Bíblia tem muito a dizer sobre
gratidão e ação de graças. Como neste mês é lembrado o Dia de Ação de Graças
(sempre na quarta quinta-feira do mês de novembro), cabe uma breve reflexão a
respeito do tema. Farei isso na forma de tópicos, que não têm necessariamente
uma sequência lógica.
1. Parece que gratidão é algo cada vez mais raro. O “Muito obrigado” e o
“De nada” tendem a ser tão raros quanto outras assim chamadas “palavras mágicas”,
como “Com licença!”, “Por favor!”, “Desculpe!”, “Lamento muito!”.
2. Os ingratos também aparecem na
Bíblia. Aparecem raramente, mas aparecem. Em Lucas 6.35, Jesus afirma que Deus
é bondoso até para os ingratos. Os ingratos sempre existiram. No entanto,
conforme 2Timóteo 3.2, eles ajudam a caracterizar os tempos do fim. O texto diz
que “nos últimos dias sobrevirão tempos difíceis. Pois os seres humanos serão
egoístas... ingratos etc.”.
3. No primeiro capítulo da carta aos Romanos, o apóstolo Paulo descreve a
injustiça dos seres humanos. Constata que as pessoas, mesmo tendo conhecimento
de Deus, “não o glorificaram como Deus, nem
lhe deram graças” (Rm 1.21). Isso continua atual. Apesar do crescente
ateísmo, Deus é uma palavra que está nos lábios de muita gente. Mas dar graças
a Deus é, como dizemos, “outro departamento”. Cabe acrescentar a isso que ação
de graças e oração de louvor não fazem sentido num mundo em que Deus não é
reconhecido como presente e atuante, e numa situação em que não se confia em
Deus. Por outro lado, como é triste a situação do ateu, quando se sente movido
a agradecer: ele se dá conta de que não tem a quem se dirigir.
4. Parece que a linguagem grosseira ou banal sempre brota com mais
facilidade de nossos lábios. No entanto, o texto de Efésios 5.4 sugere que
dizer “palavras de ação de graças” é um poderoso antídoto contra o uso de
linguagem grosseira ou indecente. O texto diz assim: “Não usem linguagem
grosseira, não digam coisas tolas nem indecentes, pois isso não convém; pelo contrário,
digam palavras de ação de graças”.
5. Ser agradecido é o oposto de ser egocêntrico. Quem não sabe agradecer enxerga
apenas a si mesmo. Não vê mais ninguém, seja pessoa, seja Deus. Agradecer é ao
mesmo tempo uma confissão. No mínimo, a confissão de que não somos autônomos
nem autossuficientes. Seria o mais alto grau de egoísmo se alguém dissesse: “Eu
me agradeço”.
6. Normalmente, na Bíblia, a gratidão se dirige a Deus. No início de
várias de suas cartas, Paulo elogia a fé que caracteriza a igreja. Ele faz isso,
por exemplo, em Romanos 1.8. No entanto, Paulo dirige sua gratidão a Deus,
dizendo: “Dou graças ao meu Deus por todos vocês, porque a fé que vocês
têm é proclamada no mundo inteiro”. Examinando o uso do verbo “dar graças”, no
Novo Testamento, encontra-se uma passagem que chama a atenção: Romanos 16.4. Ali
Paulo afirma que Priscila e Áquila arriscaram a própria cabeça pela vida do
apóstolo. Ele conclui, dizendo: “e isto lhes agradeço, não somente eu, mas também todas as igrejas dos gentios”.
Isso mostra que podemos, sim, ser gratos aos irmãos também. Nessa mesma linha,
em Filipenses 4, Paulo expressa sua alegria pessoal pela ajuda recebida dos
filipenses, dizendo: “Fiquei muito alegre no Senhor porque, agora, uma vez
mais, renasceu o cuidado que vocês têm por mim” (Fp 4.10). No entanto, Paulo conclui
esse “bilhete de agradecimento” com louvor a Deus: “A nosso Deus e Pai seja a
glória para todo o sempre. Amém!” (Fp 4.20).
7. A rigor, a gratidão chega a Deus por meio de Jesus Cristo. Sempre e
apenas assim. A carta aos Romanos como que simboliza isso, na medida em que traz,
no início, uma ação de graças a Deus “por
meio de Jesus Cristo” (Rm 1.8) e termina com uma glorificação do Deus único
e sábio “por meio de Jesus Cristo”
(Rm 16.27).
8. Um exame um pouco mais atento revelará que, na Bíblia, não existe
diferença maior entre ser grato a Deus e louvar a Deus. A gratidão se expressa
em louvor. Por isso, louvor é um tema que combina muito bem com “ação de
graças”. Louvor se faz “com harpa e voz de canto, com trombetas e ao som de
buzinas!” (Sl 98.1). No entanto, o
louvor não se mede necessariamente pelo volume ou pela intensidade do som. Som
oco, vazio, não é louvor. Sacrifício de louvor, segundo Hebreus 13.15, “é o
fruto de lábios que confessam o seu nome”,
o nome de Deus. Pode ser com música, mas não é absolutamente necessário. Pode
ser um simples gesto silencioso, um pensamento, um mover do coração.
9. Deus “é grande e digno de ser louvado” (Sl 96.4). Deus é louvado pelos
seus atributos, por aquilo que ele é. No entanto, muito mais frequente, na
Bíblia, é a enumeração de seus feitos. O Salmo 96, por exemplo, menciona
salvação (“proclamem a sua salvação”, v.2), criação (“o SENHOR ... fez os
céus”, v.5), reinado (“Reina o SENHOR”, v.10), julgamento (“vem julgar a
terra”, v.13). O belo texto de Judas 24-25, embora pouco conhecido, é
semelhante a isso, na medida em que exalta aquele que é o único Deus. Entretanto,
o que mais recebe destaque são os atos de Deus, que “é poderoso para evitar
que vocês tropecem e que pode apresentá-los irrepreensíveis diante da
sua glória, com grande alegria” (v.24).
10. Será difícil encontrar um personagem bíblico que agradeça a Deus pelo
dom, sem louvar o Doador. Maria confessa que o espírito dela se alegra em Deus, o Salvador (Lc 1.47). Fala de
si, brevemente, mencionando a sua humildade e o fato de que todas as gerações
irão considerá-la bem-aventurada (Lc 1.48-49). No entanto, sem demora Maria
passa a exaltar a reviravolta salvadora que Deus promove no mundo: ele derruba
dos tronos os poderosos e exalta os humildes; enche de bens os famintos e
despede vazios os ricos (Lc 1.52-53). O dom deveria sempre remeter ao Doador.
11. A ação de graças anda de mãos dadas com a súplica, como acentua muito
bem o texto de Filipenses 4.6: “em tudo sejam conhecidos diante de Deus os
pedidos de vocês, pela oração e pela súplica, com ações de graças”. O
texto de Colossenses 4.2 confirma isso, ao dizer: “Continuem a orar, vigiando
em oração com ação de graças”.
Martinho Lutero, ao explicar a quarta petição do Pai-Nosso, que diz: “o pão
nosso de cada dia nos dá hoje”, acentua esse aspecto de gratidão embutido na
prece. Lutero diz o seguinte: “Deus, na verdade, também dá o pão de cada dia
sem a nossa prece. Suplicamos, porém, nesta petição que nos faça reconhecê-lo e
receber com agradecimento o pão nosso de cada dia”. Isso significa que
em cada súplica está embutida também uma ação de graças.
12. O texto de 2Coríntios 1.3-12 mostra que a ação de graças pode surgir
numa situação em que menos se poderia esperar. Os sofrimentos de Cristo
transbordaram sobre Paulo, apóstolo de Cristo (v.5). Ele passou por uma
tribulação que o levou a perder a esperança da própria vida (v.8). No entanto,
ele louva e enaltece a Deus, dizendo: “Bendito seja o Deus e Pai de nosso
Senhor Jesus Cristo, o Pai de misericórdias e Deus de toda consolação!” (2Co
1.3). Paulo pede que orem a favor dele (v.11) e antecipa como essa história irá
terminar: muitos darão “graças a Deus a nosso respeito, pelo benefício
que nos foi concedido por meio da súplica de muitos” (v.11). O ato final é a
gratidão a Deus.
Assim, no mês em que celebramos o
Dia de Ação de Graças, nunca é demais lembrar o que foi exposto acima. E também
outros textos, como os que seguem: “Sejam agradecidos!” (Cl 3.15); “E tudo o
que fizerem, seja em palavra, seja em ação, façam em nome do Senhor Jesus,
dando por ele graças a Deus Pai” (Cl 3.17); “Em tudo, deem graças, porque
esta é a vontade de Deus para vocês em Cristo Jesus” (1Ts 5.18).