Pai com seus filhos


18/09/2019 #Artigos #Editora Concórdia

Talvez seja um pouco raro um pai criar seus filhos sozinho. Consegui criá-los só pela graça de Deus.

Pai com seus filhos

“Eu não tinha 40 anos ainda quando a minha esposa nos deixou e ficou fora de casa quase meio ano. Dois meninos tinham menos de 10 anos e o mais velho já beirava os 13 anos. Ela optou por outro tipo de vida, queria liberdade total. Voltou, e eu aceitei, após conversarmos e acertarmos novos parâmetros de vida. Seria uma nova tentativa de vida familiar. Não completou um ano e ela saiu definitivamente da nossa vida.

Na separação ela exigiu a guarda judicial dos meninos, mas não fazia questão de tê-los consigo. Esta cláusula, mais tarde, foi alterada e eu fiquei com a guarda oficialmente.

Os filhos sempre tiveram o meu carinho, apoio e cuidado. Fui eu que dei o primeiro banho no mais velho, sempre fui e sou um pai presente na vida dos meus filhos. Eles souberam avaliar as atitudes lastimáveis da mãe (algumas assistidas por eles) e, depois de uma reunião entre eles, me comunicaram que romperam definitivamente com a mãe e até hoje não há mais contato entre eles e sua mãe. Ela, por sua vez, não procura nenhum deles.

No período em que tentamos uma reconciliação, ela não assumiu nada em casa, só vinha tomar banho, comer e pedir dinheiro quando não tinha. Seu desejo era viver outro tipo de vida, alegre e sem compromisso.

Por mais que a pessoa tenta conciliar, buscar solução e aguentar, chega um ponto em que não dá mais, a gente periga perder o respeito por si próprio e o respeito dos filhos. A confiança em Deus eu não perdi, nem os meus filhos. O Senhor sempre esteve ao nosso lado, orientando e dando forças e discernimento.

Precisei fazer várias mudanças, inclusive de cidades e estados por causa do meu trabalho e pela situação criada. Em todas as mudanças meus filhos me acompanharam e me deram força. Às vezes, estas mudanças aconteceram “de ontem para hoje”, e assim mesmo eles estavam prontos para ir. A conversa para decidir não levava muito tempo, e eu lembro uma frase do filho mais novo: ‘Se o pai achar que a gente tem que ir, a gente vai. Família é uma só.’

Na última vez em que mudamos, quando falei que todos os três deveriam estar em casa para o almoço para discutirmos algo importante, o do meio perguntou: ‘Para onde nós vamos?’

Mesmo enfrentando comigo estas situações embaraçosas e tristes, os três filhos cresceram equilibrados no corpo e na mente. Um já está se formando na faculdade, o segundo está cursando e o mais novo está no Ensino Médio.

Após quase dez anos, eu me casei novamente e minha esposa trouxe uma filhinha com ela. Minha atual esposa não era casada. Estamos vivendo muito bem juntos, nos adaptando uns aos outros. Dois dos meus filhos ainda moram comigo e aceitaram bem a nova irmãzinha, que é amada e bajulada por todos. O meu filho mais velho está em outra cidade, trabalhando e concluindo seus estudos, mas mantém estreito relacionamento conosco.

Os três filhos são ativos na Igreja e na União Juvenil, estudam e trabalham. Não têm problemas psicológicos visíveis, todos os três têm sua namorada e todos são responsáveis em suas atividades e compromissos. Nós sempre demonstramos muito carinho uns com os outros, dando abraços e beijos, ouvindo e conversando muito. A nossa pequena filha ora por cada um da família, ela adotou os rapazes como irmãos. Os meus filhos mantêm um bom relacionamento com a minha esposa.

Sei que tudo o que eu tenho não é mérito meu, é graça de Deus, e é ele que nos orienta, sustenta, ampara e conduz. Sempre buscamos nele novas forças, com estudo da Palavra e oração. No tempo dele, ele nos restaurou.”

 
 

REFLETINDO SOBRE ESTA HISTÓRIA DE VIDA EM FAMÍLIA

Esta é a história de uma família que, após um divórcio, configurou-se como uma família de progenitor único. O pai, agora, ficou sozinho para assumir as responsabilidades que antes cabiam ao casal. É uma história que mostra bem as dificuldades pela qual passa uma família assim e, ao mesmo tempo, revela a possibilidade de ser uma família integrada, estruturada e feliz. Esta história mostra, principalmente, como a mão de Deus nos ampara em momentos difíceis e como o Pai Celeste pode nortear as nossas ações e guiar as nossas vidas.

Ao falar de famílias de um progenitor – sendo o pai ou a mãe –, pode nos vir o pensamento de que essa seja uma família desintegrada. Na nossa sociedade se convencionou pensar em família como: pai, mãe, filhos, sendo o pai o provedor, que traz o sustento, e a mãe, a cuidadora da casa e da família. Estes ainda se casam cedo, criam os filhos e não se divorciam.

Cada vez mais observamos a modificação deste “modelo”, com a diminuição dos índices de casamento e do número de filhos, casamentos tardios e o aumento de divórcios. Todas essas mudanças não passaram a acontecer no momento atual. A estrutura familiar que idealizamos vem se modificando já há algum tempo.

“Na verdade”, conforme propõe Jane Howard (1978), “a verdadeira novidade não é que as famílias estão morrendo, mas sim que elas estão mudando de tamanho e forma”.Uma família de progenitor único não é desintegrada, pelo contrário, é uma forma genuína de ser família, somente com estrutura e organização diferentes.

Uma família de pai sozinho não é tão comum quanto a de mãe sozinha, mas cada vez encontramos mais famílias com esta estrutura em nossa sociedade. Uma explicação para esse fato é a busca pela igualdade nos papéis de homens e mulheres. A mulher tem assumido papéis que antes eram, socialmente, considerados masculinos, como, por exemplo, ser o provedor da casa. Do mesmo modo, o homem tem desenvolvido tarefas que eram consideradas femininas. O homem tem aprendido a dividir os afazeres domésticos e os cuidados com a casa e os filhos. Desenvolvendo em si essas características de cuidador, por ocasião de separação ou divórcio do casal, tem se tornado mais frequente o pai permanecer, ou pelo menos ter o desejo e dialogar para ficar com a guarda dos filhos.

O Jornal Folha de São Paulo, no Dia dos Pais, em 12 de agosto de 2007, mostrava que a procura de homens, que vivem sozinhos, pela adoção de crianças vinha crescendo. Um levantamento do Tribunal de Justiça de São Paulo mostrou que, em 2005, nove homens solteiros e um separado adotaram crianças. Em 2016, segundo o Cadastro Nacional de Adoção (CNA) já eram pelo menos cinco mil pessoas solteiras na fila de adoção, de um total de 37 mil pretendentes. Desde 2014, o cadastro não especifica o gênero dos pretendentes, mas, naquele ano, dos 31,6 mil inscritos, 202 eram homens solteiros, a maioria entre 31 e 50 anos de idade, dos estados de São Paulo, Minas Gerais e Paraná. Essas informações demonstram a busca do homem moderno em usufruir também das alegrias e responsabilidades da paternidade.

O divórcio, como uma interrupção da vida familiar tradicional, produz um profundo desequilíbrio no grupo familiar. Cada membro é abalado emocionalmente e pode passar por inúmeras dificuldades até conseguir se reorganizar e, por sua vez, seguir seu desenvolvimento enquanto pessoa e família. O primeiro ano após a separação é a fase mais difícil, como se um “furacão” tivesse atacado seu lar. Todos precisam se adaptar a uma nova rotina e tentam lidar com a crise emocional que a separação geralmente deflagra.

O casal, em processo de separação, tem uma árdua tarefa de manter um relacionamento cooperativo em vista de serem pais. Além desta tarefa, devem também favorecer o máximo de contato possível entre pais e filhos.

Existem casos em que os cônjuges não conseguem entrar em acordo em decorrência de seus conflitos, mágoas e dores. Ainda existem outros casos em que um dos cônjuges se exime de sua responsabilidade e se afasta do contato afetivo com os filhos. Ambas as reações citadas dificultam o processo de separação para os filhos, prolongam o desequilíbrio emocional e criam fantasias e mais conflitos. O tempo e o esforço de ambas as partes, que agora não são mais marido e mulher, porém continuarão sendo pai e mãe, são ingredientes fundamentais na busca do reajuste à nova estrutura.

Os sentimentos de mágoa, fracasso e culpa, geralmente estão presentes entre as pessoas envolvidas quando um casamento termina, e não é fácil conviver com estes sentimentos. Não é fácil também modificá-los. O apóstolo Paulo, na sua Carta aos Efésios, sugere o exercício do perdão mútuo como forma de lidar com estes sentimentos. Ele diz assim: “Abandonem toda amargura, todo ódio e toda raiva. Nada de gritarias, insultos e maldades! Pelo contrário, sejam bons e atenciosos uns para com os outros. E perdoem uns aos outros, assim como Deus, por meio de Cristo, perdoou vocês” (Ef 4.31-32). O perdão de Jesus Cristo nos motiva a perdoar. Sem a disposição de perdoar e ser perdoado, a situação se torna complexa e gera mais conflitos consigo mesmo e também em relação a outra pessoa. Buscar a orientação de Deus nesse momento é fundamental. Procurar aconselhamento junto a um pastor ou buscar a ajuda profissional de um(a) psicólogo(a) pode ser muito útil e necessário. Cada um dos envolvidos deve voltar a pensar nas suas metas de vida e avançar, a fim de cumprir o propósito de Deus para sua vida.

O pai, que numa separação fica com a guarda dos filhos, vê-se agora sozinho na tarefa de chefiar a família. Este é um período que pode gerar insegurança, medo, dúvidas. São sentimentos que surgem diante de situações novas. O pai, preparado para prover o sustento da família, pode se ver às voltas com as tarefas domésticas e a educação dos filhos. Hoje ainda é comum homens recorrerem às suas famílias de origem para auxiliar nos cuidados com os filhos, mas cada vez mais os homens estão assumindo sozinhos esta tarefa. Esta, embora trabalhosa, traz intimidade e proximidade com os filhos.

 

De uma forma geral, este pai tem três tarefas a realizar:

1) Olhar para si mesmo enquanto pessoa, antes de se olhar como pai.

Desenvolver em si o autorrespeito, a autoestima – percebe-se que a mesma não existe em si ou está abalada. Todas as situações difíceis que uma separação gera no casal podem abalar significativamente a autoestima das pessoas envolvidas, gerando culpa e, muitas vezes, a sensação de impotência. A autoestima e o autorrespeito caminham juntos e refletem a visão positiva que cada um tem de si mesmo, o sentimento de competência e a confiança diante dos desafios da vida. É o ato de aceitar-se assim como Deus o aceita. Valorizar-se, sentir-se merecedor do amor e respeito por parte dos outros, é uma grande e importante tarefa a ser realizada e da qual dependem todas as outras tarefas.

 

2) Manter a hierarquia na família, ou seja, manter-se na posição de pai

O pai pode se sentir em minoria na família e tender a se colocar no mesmo nível hierárquico dos filhos, sendo um amigo, um colega dos filhos, e duvidando de seu julgamento sobre o que é correto. É importante e necessário para a estrutura da família que o pai se mantenha na posição de pai. Sua autoridade deve ser respeitada pelos filhos. Isso não significa que o pai deva ser autoritário. O diálogo entre os membros, o fato de ouvir e ser ouvido é um exercício saudável para que a família estabeleça um bom relacionamento.

 

3) Criar redes de apoio

É importante para esta família relacionar-se com outras pessoas, com outros grupos. A família extensiva: avós, tios, primos; a família da fé: igreja, grupo de leigos, de jovens; amigos; grupos de apoio. Ter um grupo pode ser uma ajuda importante neste momento de reestruturação familiar.

Este é um processo que pode resultar numa família capaz de funcionar bem, independentemente de o pai decidir casar de novo ou não. É um longo caminho a ser trilhado, pois a experiência de muitos profissionais aponta para cerca de no mínimo dois anos e um grande esforço para que a família se ajuste a esta nova estrutura.

 

Smoke sugeriu algumas diretrizes para os pais solteiros, as quais podem ser muito úteis:

– Não tente substituir a mãe na vida de seus filhos.

– Não force seus filhos a desempenharem o papel da mãe que partiu.

– Seja o pai que você é (não tente ser um amigo ou um irmão mais velho).

– Seja honesto com seus filhos.

– Não deprecie seu ex-cônjuge na frente de seus filhos.

– Não faça de seus filhos espiões que apresentem relatórios sobre as atividades do outro cônjuge.

– Os filhos de divorciados necessitam de ambos os pais. Não negue a eles esse direito.

– Não se torne um pai de fantasia (que só oferece diversão). Os filhos precisam ver o pai num cenário de vida real.

– Compartilhe com seus filhos sua nova vida, seus encontros e interesses sociais.

– Ajude seus filhos a guardarem vivas as boas memórias de seu antigo casamento.

– Estude com seu ex-cônjuge um tipo de estrutura de vida e administração. Dois adultos devem ser capazes de sentar juntos e preparar um plano que beneficie os filhos no que se refere à sua educação e desenvolvimento.

– Se possível, tente não modificar as várias áreas na vida de seus filhos que lhes oferecem segurança e proteção.

– Se seu filho não voltar ao desenvolvimento e crescimento normais em sua vida depois de um ano de separação, ele pode precisar de ajuda profissional.É natural que um tempo após o divórcio, o pai pense em se casar novamente. Antes de iniciar um novo relacionamento, é importante que o pai reflita se não o está fazendo numa tentativa de ter uma mãe para seus filhos, ou se não está tendendo a repetir o mesmo relacionamento anterior que terminou em separação. Esta não deve ser uma decisão precipitada! É necessário um tempo de reflexão, de adaptação à nova situação, antes que se deem novos passos em direção a um recasamento.

Um novo casamento pode acontecer nesta família, e esse momento também tem seus desafios. Esta nova estrutura pode trazer sentimentos de medo dos próprios cônjuges e também dos filhos, além de reações hostis dos filhos, sentimento de culpa e preocupação dos pais em relação ao bem-estar dos filhos, entre outros. É necessário tempo e paciência para o ajustamento a esta nova realidade. O diálogo entre os membros da família neste momento é uma importante ferramenta para lidar com os medos e dúvidas, que podem ser expostos e trabalhados, além de aproximar os membros e facilitar a inclusão do novo cônjuge e filhos.

Nota: texto publicado no Mensageiro Luterano de agosto

Mônica Belz Lange

Psicóloga, psicopedagoga e especialista em Terapia Sistêmica Familiar

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