Talvez seja um pouco raro um pai criar seus filhos sozinho. Consegui criá-los só pela graça de Deus.
“Eu não tinha 40 anos ainda quando a
minha esposa nos deixou e ficou fora de casa quase meio ano. Dois meninos
tinham menos de 10 anos e o mais velho já beirava os 13 anos. Ela optou por
outro tipo de vida, queria liberdade total. Voltou, e eu aceitei, após
conversarmos e acertarmos novos parâmetros de vida. Seria uma nova tentativa de
vida familiar. Não completou um ano e ela saiu definitivamente da nossa vida.
Na separação ela exigiu a guarda
judicial dos meninos, mas não fazia questão de tê-los consigo. Esta cláusula,
mais tarde, foi alterada e eu fiquei com a guarda oficialmente.
Os filhos sempre tiveram o meu carinho,
apoio e cuidado. Fui eu que dei o primeiro banho no mais velho, sempre fui e
sou um pai presente na vida dos meus filhos. Eles souberam avaliar as atitudes
lastimáveis da mãe (algumas assistidas por eles) e, depois de uma reunião entre
eles, me comunicaram que romperam definitivamente com a mãe e até hoje não há
mais contato entre eles e sua mãe. Ela, por sua vez, não procura nenhum deles.
No período em que tentamos uma
reconciliação, ela não assumiu nada em casa, só vinha tomar banho, comer e
pedir dinheiro quando não tinha. Seu desejo era viver outro tipo de vida,
alegre e sem compromisso.
Por mais que a pessoa tenta conciliar,
buscar solução e aguentar, chega um ponto em que não dá mais, a gente periga
perder o respeito por si próprio e o respeito dos filhos. A confiança em Deus
eu não perdi, nem os meus filhos. O Senhor sempre esteve ao nosso lado,
orientando e dando forças e discernimento.
Precisei fazer várias mudanças,
inclusive de cidades e estados por causa do meu trabalho e pela situação
criada. Em todas as mudanças meus filhos me acompanharam e me deram força. Às
vezes, estas mudanças aconteceram “de ontem para hoje”, e assim mesmo eles
estavam prontos para ir. A conversa para decidir não levava muito tempo, e eu
lembro uma frase do filho mais novo: ‘Se o pai achar que a gente tem que ir, a
gente vai. Família é uma só.’
Na última vez em que mudamos, quando
falei que todos os três deveriam estar em casa para o almoço para discutirmos
algo importante, o do meio perguntou: ‘Para onde nós vamos?’
Mesmo enfrentando comigo estas
situações embaraçosas e tristes, os três filhos cresceram equilibrados no corpo
e na mente. Um já está se formando na faculdade, o segundo está cursando e o
mais novo está no Ensino Médio.
Após quase dez anos, eu me casei
novamente e minha esposa trouxe uma filhinha com ela. Minha atual esposa não
era casada. Estamos vivendo muito bem juntos, nos adaptando uns aos outros.
Dois dos meus filhos ainda moram comigo e aceitaram bem a nova irmãzinha, que é
amada e bajulada por todos. O meu filho mais velho está em outra cidade,
trabalhando e concluindo seus estudos, mas mantém estreito relacionamento
conosco.
Os três filhos são ativos na Igreja e
na União Juvenil, estudam e trabalham. Não têm problemas psicológicos visíveis,
todos os três têm sua namorada e todos são responsáveis em suas atividades e
compromissos. Nós sempre demonstramos muito carinho uns com os outros, dando
abraços e beijos, ouvindo e conversando muito. A nossa pequena filha ora por
cada um da família, ela adotou os rapazes como irmãos. Os meus filhos mantêm um
bom relacionamento com a minha esposa.
Sei que tudo o que eu tenho não é
mérito meu, é graça de Deus, e é ele que nos orienta, sustenta, ampara e
conduz. Sempre buscamos nele novas forças, com estudo da Palavra e oração. No
tempo dele, ele nos restaurou.”
REFLETINDO
SOBRE ESTA HISTÓRIA DE VIDA EM FAMÍLIA
Esta é a história de uma família que,
após um divórcio, configurou-se como uma família de progenitor único. O pai,
agora, ficou sozinho para assumir as responsabilidades que antes cabiam ao
casal. É uma história que mostra bem as dificuldades pela qual passa uma
família assim e, ao mesmo tempo, revela a possibilidade de ser uma família
integrada, estruturada e feliz. Esta história mostra, principalmente, como a
mão de Deus nos ampara em momentos difíceis e como o Pai Celeste pode nortear
as nossas ações e guiar as nossas vidas.
Ao falar de famílias de um progenitor –
sendo o pai ou a mãe –, pode nos vir o pensamento de que essa seja uma família
desintegrada. Na nossa sociedade se convencionou pensar em família como: pai,
mãe, filhos, sendo o pai o provedor, que traz o sustento, e a mãe, a cuidadora
da casa e da família. Estes ainda se casam cedo, criam os filhos e não se
divorciam.
Cada vez mais observamos a modificação
deste “modelo”, com a diminuição dos índices de casamento e do número de
filhos, casamentos tardios e o aumento de divórcios. Todas essas mudanças não
passaram a acontecer no momento atual. A estrutura familiar que idealizamos vem
se modificando já há algum tempo.
“Na verdade”, conforme propõe Jane
Howard (1978), “a verdadeira novidade não é que as famílias estão morrendo, mas
sim que elas estão mudando de tamanho e forma”.Uma família de progenitor único não é
desintegrada, pelo contrário, é uma forma genuína de ser família, somente com
estrutura e organização diferentes.
Uma família de pai sozinho não é tão
comum quanto a de mãe sozinha, mas cada vez encontramos mais famílias com esta
estrutura em nossa sociedade. Uma explicação para esse fato é a busca pela
igualdade nos papéis de homens e mulheres. A mulher tem assumido papéis que
antes eram, socialmente, considerados masculinos, como, por exemplo, ser o
provedor da casa. Do mesmo modo, o homem tem desenvolvido tarefas que eram
consideradas femininas. O homem tem aprendido a dividir os afazeres domésticos
e os cuidados com a casa e os filhos. Desenvolvendo em si essas características
de cuidador, por ocasião de separação ou divórcio do casal, tem se tornado mais
frequente o pai permanecer, ou pelo menos ter o desejo e dialogar para ficar
com a guarda dos filhos.
O Jornal Folha de São Paulo, no
Dia dos Pais, em 12 de agosto de 2007, mostrava que a procura de homens, que
vivem sozinhos, pela adoção de crianças vinha crescendo. Um levantamento do
Tribunal de Justiça de São Paulo mostrou que, em 2005, nove homens solteiros e
um separado adotaram crianças. Em 2016, segundo
o Cadastro Nacional de Adoção (CNA) já eram pelo menos cinco mil pessoas
solteiras na fila de adoção, de um total de 37 mil pretendentes. Desde 2014, o
cadastro não especifica o gênero dos pretendentes, mas, naquele ano, dos 31,6 mil
inscritos, 202 eram homens solteiros, a maioria entre 31 e 50 anos de idade,
dos estados de São Paulo, Minas Gerais e Paraná. Essas informações
demonstram a busca do homem moderno em usufruir também das alegrias e
responsabilidades da paternidade.
O divórcio, como uma interrupção da
vida familiar tradicional, produz um profundo desequilíbrio no grupo familiar.
Cada membro é abalado emocionalmente e pode passar por inúmeras dificuldades
até conseguir se reorganizar e, por sua vez, seguir seu desenvolvimento
enquanto pessoa e família. O primeiro ano após a separação é a fase mais
difícil, como se um “furacão” tivesse atacado seu lar. Todos precisam se
adaptar a uma nova rotina e tentam lidar com a crise emocional que a separação
geralmente deflagra.
O casal, em processo de separação, tem
uma árdua tarefa de manter um relacionamento cooperativo em vista de serem
pais. Além desta tarefa, devem também favorecer o máximo de contato possível
entre pais e filhos.
Existem casos em que os cônjuges não
conseguem entrar em acordo em decorrência de seus conflitos, mágoas e dores.
Ainda existem outros casos em que um dos cônjuges se exime de sua
responsabilidade e se afasta do contato afetivo com os filhos. Ambas as reações
citadas dificultam o processo de separação para os filhos, prolongam o
desequilíbrio emocional e criam fantasias e mais conflitos. O tempo e o esforço
de ambas as partes, que agora não são mais marido e mulher, porém continuarão
sendo pai e mãe, são ingredientes fundamentais na busca do reajuste à nova
estrutura.
Os sentimentos de mágoa, fracasso e
culpa, geralmente estão presentes entre as pessoas envolvidas quando um
casamento termina, e não é fácil conviver com estes sentimentos. Não é fácil
também modificá-los. O apóstolo Paulo, na sua Carta aos Efésios, sugere o
exercício do perdão mútuo como forma de lidar com estes sentimentos. Ele diz
assim: “Abandonem toda amargura, todo ódio e toda raiva. Nada de gritarias,
insultos e maldades! Pelo contrário, sejam bons e atenciosos uns para com os
outros. E perdoem uns aos outros, assim como Deus, por meio de Cristo, perdoou
vocês” (Ef 4.31-32). O perdão de Jesus Cristo nos motiva a perdoar. Sem a
disposição de perdoar e ser perdoado, a situação se torna complexa e gera mais
conflitos consigo mesmo e também em relação a outra pessoa. Buscar a orientação
de Deus nesse momento é fundamental. Procurar aconselhamento junto a um pastor
ou buscar a ajuda profissional de um(a) psicólogo(a) pode ser muito útil e
necessário. Cada um dos envolvidos deve voltar a pensar nas suas metas de vida
e avançar, a fim de cumprir o propósito de Deus para sua vida.
O pai, que numa separação fica com a
guarda dos filhos, vê-se agora sozinho na tarefa de chefiar a família. Este é
um período que pode gerar insegurança, medo, dúvidas. São sentimentos que
surgem diante de situações novas. O pai, preparado para prover o sustento da
família, pode se ver às voltas com as tarefas domésticas e a educação dos
filhos. Hoje ainda é comum homens recorrerem às suas famílias de origem para
auxiliar nos cuidados com os filhos, mas cada vez mais os homens estão
assumindo sozinhos esta tarefa. Esta, embora trabalhosa, traz intimidade e
proximidade com os filhos.
De uma forma geral, este pai tem três
tarefas a realizar:
1)
Olhar para si mesmo enquanto pessoa, antes de se olhar como pai.
Desenvolver em si o autorrespeito, a
autoestima – percebe-se que a mesma não existe em si ou está abalada. Todas as
situações difíceis que uma separação gera no casal podem abalar
significativamente a autoestima das pessoas envolvidas, gerando culpa e, muitas
vezes, a sensação de impotência. A autoestima e o autorrespeito caminham juntos
e refletem a visão positiva que cada um tem de si mesmo, o sentimento de
competência e a confiança diante dos desafios da vida. É o ato de aceitar-se
assim como Deus o aceita. Valorizar-se, sentir-se merecedor do amor e respeito
por parte dos outros, é uma grande e importante tarefa a ser realizada e da
qual dependem todas as outras tarefas.
2)
Manter a hierarquia na família, ou seja, manter-se na posição de pai
O pai pode se sentir em minoria na
família e tender a se colocar no mesmo nível hierárquico dos filhos, sendo um
amigo, um colega dos filhos, e duvidando de seu julgamento sobre o que é
correto. É importante e necessário para a estrutura da família que o pai se
mantenha na posição de pai. Sua autoridade deve ser respeitada pelos filhos.
Isso não significa que o pai deva ser autoritário. O diálogo entre os membros,
o fato de ouvir e ser ouvido é um exercício saudável para que a família
estabeleça um bom relacionamento.
3)
Criar redes de apoio
É importante para esta família
relacionar-se com outras pessoas, com outros grupos. A família extensiva: avós,
tios, primos; a família da fé: igreja, grupo de leigos, de jovens; amigos;
grupos de apoio. Ter um grupo pode ser uma ajuda importante neste momento de
reestruturação familiar.
Este é um processo que pode resultar
numa família capaz de funcionar bem, independentemente de o pai decidir casar
de novo ou não. É um longo caminho a ser trilhado, pois a experiência de muitos
profissionais aponta para cerca de no mínimo dois anos e um grande esforço para
que a família se ajuste a esta nova estrutura.
Smoke sugeriu algumas diretrizes para
os pais solteiros, as quais podem ser muito úteis:
– Não tente
substituir a mãe na vida de seus filhos.
– Não force
seus filhos a desempenharem o papel da mãe que partiu.
– Seja o pai
que você é (não tente ser um amigo ou um irmão mais velho).
– Seja honesto
com seus filhos.
– Não deprecie
seu ex-cônjuge na frente de seus filhos.
– Não faça de
seus filhos espiões que apresentem relatórios sobre as atividades do outro
cônjuge.
– Os filhos de
divorciados necessitam de ambos os pais. Não negue a eles esse direito.
– Não se torne
um pai de fantasia (que só oferece diversão). Os filhos precisam ver o pai num
cenário de vida real.
– Compartilhe
com seus filhos sua nova vida, seus encontros e interesses sociais.
– Ajude seus
filhos a guardarem vivas as boas memórias de seu antigo casamento.
– Estude com
seu ex-cônjuge um tipo de estrutura de vida e administração. Dois adultos devem
ser capazes de sentar juntos e preparar um plano que beneficie os filhos no que
se refere à sua educação e desenvolvimento.
– Se possível,
tente não modificar as várias áreas na vida de seus filhos que lhes oferecem
segurança e proteção.
– Se seu filho
não voltar ao desenvolvimento e crescimento normais em sua vida depois de um
ano de separação, ele pode precisar de ajuda profissional.É natural que um tempo após o divórcio,
o pai pense em se casar novamente. Antes de iniciar um novo relacionamento, é
importante que o pai reflita se não o está fazendo numa tentativa de ter uma
mãe para seus filhos, ou se não está tendendo a repetir o mesmo relacionamento
anterior que terminou em separação. Esta não deve ser uma decisão precipitada!
É necessário um tempo de reflexão, de adaptação à nova situação, antes que se
deem novos passos em direção a um recasamento.
Um novo casamento pode acontecer nesta
família, e esse momento também tem seus desafios. Esta nova estrutura pode
trazer sentimentos de medo dos próprios cônjuges e também dos filhos, além de
reações hostis dos filhos, sentimento de culpa e preocupação dos pais em
relação ao bem-estar dos filhos, entre outros. É necessário tempo e paciência
para o ajustamento a esta nova realidade. O diálogo entre os membros da família
neste momento é uma importante ferramenta para lidar com os medos e dúvidas,
que podem ser expostos e trabalhados, além de aproximar os membros e facilitar
a inclusão do novo cônjuge e filhos.
Nota: texto publicado no Mensageiro Luterano de agosto
Mônica Belz Lange
Psicóloga, psicopedagoga e especialista em Terapia Sistêmica Familiar
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Importância de transmitir a Palavra aos filhos levou servas a aderirem à temática do Congresso Nacional da LSLB e convidarem seus familiares a participar