O “Órgão
da Vida”
O
cérebro humano é a estrutura mais sofisticada do universo. Consome um quarto de
todo o sangue do corpo. Possui cerca de 100 bilhões de neurônios que fazem
cerca de 500 trilhões de conexões entre si, por onde passam impulsos elétricos.
A título de comparação, o cérebro de uma pessoa comum é dez vezes mais rápido
que o atual computador mais potente do mundo.
Tamanha
sofisticação faz dele um órgão extremamente sensível. O traumatismo craniano é
a principal causa de morte em acidentes. Quatro minutos de mau suprimento sanguíneo
é suficiente para causar lesões irreversíveis, como no caso da parada
cardiorrespiratória e no acidente vascular cerebral. Se o dano for intenso, a
ponto de causar morte de neurônios, a lesão será irreversível, pois os neurônios não se regeneram, e a vítima ficará
com sequelas.
A
camada externa do cérebro, chamada córtex, é onde as atividades mais complexas
ocorrem. É o seu grande número de conexões que faz do homem o mais inteligente
dos seres.
Para
que todas as áreas do córtex funcionem adequadamente, é necessária a ação de um
outro mecanismo, mais interno, chamado Sistema Reticular Ativador. Como o nome diz, trata-se de uma rede de
“fios” que ficam, a todo instante, enviando impulsos em direção ao córtex para
mantê-lo trabalhando. Um dano direto ao córtex, ou então ao Sistema Reticular
Ativador, vai levar à diminuição do nível
de consciência. Dependendo da gravidade da lesão, pode ocasionar desde uma
sonolência leve até o Coma.
O Tronco
Durante
o Coma, o indivíduo permanece com os
olhos fechados, e não responde a estímulos, embora possa manter alguns
reflexos. Isto é possível graças à relativa autonomia de uma estrutura, situada
abaixo do cérebro, chamada Tronco.
Ali estão alguns centros que controlam os reflexos e também os movimentos
respiratórios e batimentos cardíacos, que podem permanecer funcionando, alheios
ao comprometimento cerebral. Por isso, o paciente comatoso mantém a respiração,
mas esta costuma ser superficial ou irregular, e haverá necessidade de auxílio
por aparelhos. O cérebro, no coma, continua funcionando, embora a um ritmo
muito mais lento que o normal. Se a causa do coma puder ser removida antes de
causar lesão irreversível, o paciente poderá acordar e voltar ao normal.
Pacientes
que antigamente jamais sobreviveriam, agora, podem ser reanimados e mantidos
graças aos avanços na medicina intensiva e ao surgimento das modernas UTIs. Com
isto, surgiu uma nova situação, na qual os doentes com profundas lesões
cerebrais são mantidos vivos, com auxílio de aparelhos, até progredirem para um
estado de coma permanente, chamado Estado
Vegetativo Persistente. Nesta situação, os olhos estão abertos, mas não
existe nenhuma resposta a estímulos. Como num estágio avançado de demência,
ocorrem algumas contrações musculares e pode haver emissão de alguns sons
guturais, dando a falsa impressão de que está havendo reação, porém tudo é
autômato e sem participação do cérebro. Pode haver alguma recuperação nos dias
seguintes, mas estudos mostraram que, decorridas duas semanas, as chances de
qualquer recuperação são remotas. Casos, amplamente divulgados pela mídia, de
pacientes que “acordaram do estado vegetativo” eram, na verdade, casos menos
graves, dos quais já se esperava a recuperação. Alguns chamam esta situação de
Morte Cerebral, visto que todas as reações esboçadas são inconscientes, e a
respiração e a função cardíaca são mantidas pelo Tronco.
Morte Encefálica
A
situação mais grave, no entanto, será diagnosticada em UTI, como ausência de
atividade do cérebro e do Tronco. Como o conjunto cérebro e tronco é chamado
Encéfalo, esta situação denomina-se Morte
Encefálica. Além da completa ausência de resposta a estímulos, nenhum
reflexo funciona, a respiração cessa quando se desliga o aparelho e a pressão
sanguínea só se mantém com medicamentos.
O
diagnóstico de Morte Encefálica é complexo, e deverá ser atestado por no mínimo
dois médicos, sendo um deles neurologista. Primariamente, são excluídas todas
outras causas que poderiam produzir quadro clínico semelhante. São examinados
reflexos e feito testes de reação à ausência de aparelhos. Um
eletroencefalograma, que mede a atividade elétrica cerebral, deverá mostrar uma
linha reta (ausência de atividade). Toda bateria de exames é repetida após um
período mínimo de seis horas (até 48 em crianças) para que se confirme o
diagnóstico.
Um
dilema bioético-médico-legal
Para
a medicina, morte encefálica é, efetivamente, a morte do paciente. Ele já nada
sente e a nada reage, e não poderá ser mantido sem os aparelhos. Não há nenhum
caso conhecido de indivíduo, nesta condição, que tenha se recuperado. Se o
indivíduo for de boa compleição física, os familiares serão inquiridos a
respeito da doação dos órgãos. O doente pode ter manifestado, em vida, seu
desejo de doar órgãos e/ou de não querer ser mantido por meios artificiais.
Mesmo assim, a decisão será muito difícil, visto que sempre haverá esperanças
de recuperação, e, mais do que nunca, virão à tona as diferentes crenças e
concepções entre os membros da família.
O
problema de se definir critérios médicos para constatar a morte começa em
definir o que é vida. Está
pressuposto que a pessoa vive enquanto mantiver qualidade de vida. Mas qualidade de vida, aqui, está claramente
condicionada à presença de um cérebro funcionante – então, segundo esta
definição, bebês anencéfalos (que nasceram sem cérebro) não são seres vivos.
Haveria apenas uma existência biológica,
sem nenhum resquício de humanidade, um dilema aplicável aos dois extremos da
vida humana – o embrião e o doente em morte cerebral.
A
dúvida central reside em definir se a vida é um fenômeno Biológico ou Humano. Mesmo
após retirar os aparelhos, o coração pode continuar funcionando graças ao
sistema próprio de ativação elétrica. Segundo uma pesquisa da professora
Daniela Knauth, da UFRGS, a maioria das religiões, apesar de apoiarem a doação
de órgãos, relutam em aceitar os critérios de morte encefálica, preferindo
acreditar que a vida deixa de existir no momento em que o coração para. Já a
Constituição Brasileira considera o paciente com morte cerebral legalmente morto, e preconiza que o
registro do horário do óbito no atestado seja o do momento da confirmação diagnóstica de morte encefálica.